quinta-feira, 10 de maio de 2012

UM SÉCULO DE XILO-CORDEL NA CULTURA BRASILEIRA

Maior colecionador do mundo comemora 30 anos de pesquisas com  livro

Maior especialista brasileiro sobre a literatura de cordel e maior colecionador do mundo de xilogravuras, com um acervo que já vai pelos dez mil itens, Jeová Franklin resolveu botar as suas pesquisas no papel. Ontem, ele lançou, na Casa da Memória da Cultura Brasileira, em Sobradinho II, o livro “Xilogravura Popular na Literatura de Cordel”, após 30 anos de garimpagem. É a sua homenagem aos 100 anos desse casamento, ocorrido em 2007, mas só celebrado agora, porque não conseguiu finalizar os trabalhos antes.
 Professor aposentado, da Universidade Federal do Ceará, Jeová Franklin começou remexer nesse riscado a partir de uma encomenda do antigo Ministério do Interior. O trabalho foi tão elogiado que, três anos depois, ele foi requisitado pelo extinto Banco do Nordeste para participar da maior antologia já feita no País sobre o binômio xilo-cordel.  De lá para cá, não deixou nada sobre o tema sossegado, ao ponto de transformar sua casa em um autêntico centro de estudos, museu, enfim, o que se possa definir, pois só sobra espaço vago nos pratos, panelas e gavetas da cozinha de Dona Marinalva, sua esposa.
 Jeová Franklin já foi consultor de teses de mestrado e  perdeu a conta das conferências proferidas para estudantes universitários. Mas ressalta que o cordel, até chegara isso, precisou vencer muito preconceito. “Era tido como um gênero marginal, porque os poetas, quase sempre, eram pouco letrados e gostavam de destrinchar os fuxicos da vida alheia”, explica.
  Enquanto pesquisava, Jeová ouviu muitas queixas de velhos cordelistas, de que a polícia botou-os muito pra correr das feiras nordestinas. “Os poetas chegavam com suas maletas, começavam a recitar versos, falando das diabruras dos cangaceiros, da moça que meteu um chifre no noivo, do coronel de engenho filho daquela senhora, e, quando menos esperavam, os meganhas, os cabras do coró e dos pais das moças chifradeiras já estavam com a peixeira no seu cangote”, sorri o pesquisador, do que ouvia. 
 Já o casamento do cordel com a xilo, Jeová Franklin viu a certidão datada de setembro de 1907, quando o paraibano Francisco das Chagas Batista contou as estrepolias do cangaceiro Antônio Salvino,  precussor de Lampião. “Na capa, aparecia um sujeito usando um chapéu de couro, portando um bacamarte e carregando uma espada na cintura”. Como o autor é desconhecido,  pelas características da figura, Jeová intuiu que se trata de obra de altista europeu. É a tal figura que ilustra a capa do seu livro e, na qual, ele não vê o grau de sofisticação da xilo popular brasileira. “Até 1925, usou-se o modelo europeu”, historia.
 A xilogravura dos cordéis, afirma Jeová Franklin, atingiu a forma consagrada quando e a impressão foi desaparecendo com os traços, até deixar só uma silhueta. “O poeta paraibano Chagas Batista pediu a um xilogravador (nunca descoberto) para fazer uma arte em preto e branco, com traços rústicos” conta, acrescentando que contribuiu também para isso a dificuldade de se encontrar, no Nordeste, o clichê metálico usado nos cartões postais e nos cartazes de filmes cinematográficos. “Os cordelistas aproveitavam o material já dispensado pelos serviços gráficos, que tinham um custo de produção muito caro”, dá uma idéia.
É nesse ponto aí que entra uma ajuda involuntária do Padre Cícero Romão Batista, revela o pesquisador, sobre a consolidação do casamento xilo-cordel. “Em 1949, José Bernardo da Silva comprou uma gráfica e, como não havia clicheria em Juazeiro do Norte-CE, apelou para os xilogravuristas que trabalhavam a figura do vigário. Com o custo abaixou muito, nas décadas-50 e 60 o sistema se espalhou e ficou mais rápido, pois as gráficas levam mais de 15 dias para aprontar um clichê.  Em 1970, na Copa do Mundo, por exemplo, o cordelista José Soares adiantou tudo e, quando a seleção brasileira levantava a taça do mundo, ele já estava vendendo os seus versos campeões pelas ruas do Recife”, lembra.
Todas as pesquisa levam o professor Jeová Franklin a crer que a xilogravura surgiu, há milhares de anos, na China, chegando ao Brasil via jesuítas que a usavam para produzir imagens sacras e propagar a fé católica. “Também usou-se a xilo para confeccionar baralhos”, cita Franklin, acrescentando um detalhe: “Na década 50, o xilogravurista Dila chegou a colorir as capas dos cordéis, com o preto, o vermelho e o amarelo, segundo tendênciaa das policromias do Sul do País. Mas não pegou.        
Jeová Franklin aponta 1965 como o ano que consagrou a a xilogravura no País. “Foi quando o arquiteto Sérvulo Esmeraldo, que vivia em Paris, encomendou, ao Mestre Noza,  de Juazeir do Norte e inventor da xilodecoração, uma xilo maior do que as que as dos cordéis. Sua arte ilustrou um livro que teve circulação nacional e chamou a atenção dos políticos, jornalistas, e pesquisadores. “A partir dali, a xilo começou a ser valorizada”, situa.
 As pesquisas de Jeová Franklin lhe mostraram que escritores como Ariano Suassuna, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e o pintor erudito Samigo receberam muitas influências dos cordéis. “Por isso valorizaram a xilogravura, como também alguns cineastas, casos de Glauber Rocha – em “Deus e o Diabo na Terra do Sol – e Nélson Pereira dos Santos – em “Vidas Secas –, que  usaram uma fotografia imitando a xilo, com o preto separado do branco, sem matizes”, ensina.
Juntando poetas cordelistas e xilogravurisas,  Jeová Franklin aponta Mestre Noza,  Abrão Batista, Estênio Diniz, José Lourenço, Jota Borges, Marcelo Alves, Costa Leite, Minelvino, Enéas Tavares, Valderedo Gonçalves, Antônio Pirauá de Lima, Chagas Batista e Leonardo Gomes de Barros, que chegou ater o mesmo nível de Olavo Bilaque, como os maiores nomes do casamento xilo-cordel. Mas, desde que os franceses e portugueses difundiram o gênero cordelista, afirma, ninguém vendeu tanto quando o poeta nordestino Melquíades, com a sua saga do “Pavão Misterioso, comprada, oficialmente, por oito milhões de leitores.


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