quinta-feira, 10 de maio de 2012

O ÚLTIMO SERESTEIRO

Ele viu Bossa Nova e Jovem Guarda. Há mais de 50 anos não abandona os boêmios

A partir de 1959, a turma só queria cantar baixinho, sentada num banquinho e acompanhada por uma batida diferente de violão. Foi quando Elizeth Cardoso convidou o amigo Josemir Barbosa a experimentar a nova moda. "Nasci seresteiro e vou continuar sendo", respondeu ele, após ouvir "Canção de amor nenhum", que "A Divina" havia gravado, acompanhada por acordes desconhecidos e criados pelo baiano João Gilberto. Era a Bossa Nova pintando.
Em 1965, na esteira da beatlemania, era a vez da Jovem Guarda chegar, como um furacão, engolindo os bossa-novistas e mandando tudo pro inferno. O mercado ficara mais restrito ainda para os cantores de bolerões, sambas-canção e serestas, colocando no ostsracismo carreiras como as de Carlos José, Francisco Petrônio, Altemar Dutra e até mesmo Nelson Gonçalves. No auge do iê-iê-iê,  quando João Gilbverto chamou a Bosa Nova de "jazz retardado",  até Sílvio Caldas achava que era hora de Josemir dar um tempo nas modinhas e se modernizar. Ante a resistência do colega, Sílvio avisou: "Você é o último seresteiro!"
Sorte do pernambucano Josemir Barbosa, a de nunca ter abandonado o gênero musical que começara a cantar quando era um rapaz namorador e tentava ganhar o coração das mocinhas casadoiras da pernambucana Garanhuns, em apaixonantes serenatas. Josemar tornou-se, simplesmente, o último seresteiro da vida do ex-presidente Juscelin Kubitscheck.
 O cantor não se lembra se foi logo após JK ter passado a faixa presidencial a Jânio Quadros, ou se já era 1962. Só se recorda do espanto que levou, quando se exibia no Man´s Clube, em Copacabana, no Rio, e foi surpreendido pela chagada do homem que construíra Brasília, acompanhado pela amiga Carmem Mena Barreto e mais dois amigos (não se lembra mais dos nomes desses). "Ele (JK) sentou-se de frente para o palco e ouviu-me, com muita atenção. Deve ter-se demorado por mais de uma hora. Antes de ir embora, cumprimentou-me e disse que eu cantava muito mais do que os seus amigos lhe falavam. E prometeu voltar", destrincha.
E voltou,  várias vezes para escutar as serestas de Josemir Barbosa.Até o surpreendeu, numa noite, pedindo: "Quero que você cante  a minha música favorita". Antes de JK completar a frase, Josemir disse o tradicional "deixa comigo" e apressou-se em voltar ao palco. Mandou ver no "Peixe Vivo". Para a sua surpresa, quando o ex-presidente ia embora e despediu-se dele, sussurrou-lhe: "Todo mundo acha, mas o Peixe Vivo não é a minha música predileta. É "Duas Contas", de Garoto.
Como não tinha a letra e o arranjo daquela música, naquele momento, Josemir prometeu ao homem cantá-la da próxima vez pintasse na casa, o que o fez, após três cobranças do ilustre ouvinte. "Tive vontade de convidá-lo para cantar junto comigo, mas, não sei porque, me deu um bloqueio, e não o fiz", conta o seresteiro.
A última vez que Josemir Barbosa esteve com JK não foi cantando serestas. Ele estava na esquina da Rua Francisco Sá com a Avenida Atlântica, em em Copacabana, quando ouvi uma voz me gritar. "Meu cantor!" Era o JK, que o avistara. "Nos falamos pouco, foi muito rápido. Logo depois, ele foi para o exílio. Não o vi mais", relata o artista, que já cantou, também, para dois outros presidentes, Fernando Henrique e Lula.
Começo no ré menor
As serestas entraram na vida de Josemir Barbosa quando ele tinha 13 anos de idade e sua mãe ensinou-lhe adedilhar o ré menor ao vilão. Dali "foi embora" e, quando Garanhuns ficou pequena para a sua voz, integtou um trio ? Os Cancioneiros ? que ficou famoso pelas ondas da Rádio Jornal do Comércio, de Recife. Quis o destino que Ari Barroso ouvisse o seu grupo, numa de suas passagens pela capital pernambucana, na década-50, e achasse a sua vocalização um meio-termo entre a sonorização dos trios Irakitan e Nagô, que faziam sucesso nacional. E o Rio de Janeiro foi a próxima parada de Josemir, levado pelo empresário Piagino Chiefe, proprietário da fábrica de fogos Caramuru.
Foi num encontro com a amiga pernambucana Ivone Valdez, (vedete de teatro rebolado, do produtor Carlos Machado), que Josemir Barbosa entrou no mercado carioca. Apresentado ao empresário Alfredo Sá, o Alfredão (espécie de rei das noites cariocas na década-50 e inícios da 60), ele foi se apresentar nos nights clubs da zona sul do Rio. Em frente a um deles, ficava o Top Club. E, mais uma vez, o destino bateu-lhe à porta. "Num fim de noite, o Ataulfo Alves apareceu na minha seresta e achou diferente aquele meu jeito de cantar, com sotaque nordestino. Do papo, surgiu uma grande amizade", orgulha-se Josemir.
Embalado pela amizada com Ataúlfo, Josemir ficou amigo também de e passou a cantar junto com Orlando Silva, Elizeth Cardoso, Helena de Lima, Agostinho dos Santos, Dick Farney, Lúcio Alves, Nélson Gonçalves, Tito Madi,  Lupcínio Rodrigues,  toda aquela turma que acontecia nas noites do Rio . "Cheguei a cantar no Beco das Garrafas, o reduto da Bossa Nova, mas como eu insistia nas serestas, não deu certo. Daquele pedaço, quando nada, ficou uma boa amizade com Vinicius de Moraes, Sérgio Bittencourt e Waleska", cita.
Surpresa no Pub
Vinicius de Moraes pintava sempre no Pub, (bar do Leme), com a turma da Bossa Nova. Certa vez, depois de vários "cachorros engarrafados", como ele chamava o wiskie, até prometeu aparecer, numa noite, com JK. Para homenagear o amigo, Josemir Barbosa cantou o "Soneto da Infidelidade", uma letra do "Poetinha", que jamais pedira a alguém para musicá-la. Quando terminou, Vinicius levantou-se da mesa, com o copo nas mãos, e foi até ele, sorrindo, "trêbado". A letra havia sido musicada pelo Cabipa (compositor pernambucano) e o Vinícus nem sabia", relembra, sorrindo e responsabializando-se pelos mais ou quatro ou cinco "cachorros" que o poeta colocara no pescoço (por dentro, é claro), depois.
Mas foi com Sílvio Caldas que Josemir Barbosa teve um entrevero legal, por causa de Noel Rosa, quando ele era o único seresteiro do País com shows diários (no Scotch Bar). "Amigos meus, como Luis Antônio, Haroldo Barbosa, Luís Reis, Jamelão, Luís Vieira, Elizeth Cardoso, Tito Madi e Sílvio Caldas, apareciam sempre pra me dar uma força, pois a Jovem Guarda estava chegando e gente como Orlando Silva, por exemplo, só fazia shows de 15 em dias 15. Tava bravo.  Numa daquelas noitadas de baixo astral, cantei uma música do Noel Rosa, e o Sílvio Caldas ficou uma fera. Disse que eu estava inventando, que o Noel não tinha feito aquilo e que eu deveria respeitá-lo e cantar como ele compusera", historia Josemir.
O barraco dos seresteiros pipocou porque Sílvio Caldas não conhecia a letra original da composição, garimpada por Josemir em um sebo carioca, num livro e escrita à mão. Moral da história: "A paz foi selada com um garrafão de aguardente, curtida no milho", presente de Sílivio a Josemir.
Josemir Barbosa sorri muito quando se lembra das aprontações de Lupcinio Rodrigues. "Ele fazia aquelas suas letras falando de desgraça, e nem estava aí pro mundo. Bebia todas e tudo bem. Me arrastava, lá pelas cinco da manhã, para ajudará-lo a curar seus porres, tomando caldo de cabeça de peixe, com pirão e batata cozida, na Barata Ribeiro. Pra me livrar dele, eu fugia. No dia seguinte, ele me esculhambava. Me chamava de fujão e de falso boêmio. Mas tudo terminava nas cordas do violão, e a amizade prosseguia", conta.
 Brigas
Quando a gravadora Phillips instalou-se no Brasil, queria fazer de Josemir Barboss um clone vocal de Nélson Gonçalves, aproveitando a semelhan ça de seus timbres vocais. Ele não topou. Era muito amigo do ídolo nacional e respondeu que só poderia haver um Nelson Gonçalves.
Naquele mesmo dia, Josemir foi à casa de Evaldo Gouveia, apanhar uma música para renovar seu repertório no Scotch Bar. Só que o compositor esqueceu-se de avisar-lhe que a composição reservada (em parceiria com Jair Amorim)  já a havia passado a Altemar Dutra, que iria incluí-la no seu novo LP  (antigos  bolachões de vinil). Josemir lançou "Brigas" e Altemar a estourou com ela nas paradas de sucesso. "Que confusão que o Evaldo me arrumou. Teve gente me acusando de vender a música", relembra.

No Planalto
Josemir Barbosa está em Brasília desde 1986. Veio para cantar e passar só dois dias. Não saiu mais. Era, também, protético, e recebeu uma boa proposta para conciliar as duas coisas por aqui. Hoje, ele canta no Bristol Hotel, às terças e sextas-feiras, a partir das 19h. Para se apresentar em festas particulares, cobra R$ 400 por apresentação. E tem a agenda sempre lotada.
Por aqui, Josemir já viveu uma história incrível. Ao fazer um intervalo, quando cantava no Restaurante Albatroz, no Aeroporto JK, um sujeito chegou, apanhou o seu violão e o espatifou contra uma cadeira. "Era um pinho autografado por Sivuca, Pelé, Fernando Henrique Cardoso, Elizeth, muitos que se diziam ter gostado da minha voz", explica.
 Resumo da seresta: Josemir e o agressor foram parar em uma delegacia. Chegando lá, ao perceber que o cara era um débil mental, ele passou a defendê-lo. Só que o delgado queria cumprir a lei e punir o infrator com o pagamento de uma indenização. Josemir a fixou em cinco reais, liberou o maluco e ainda foi entregá-lo à família.  E fez toda a rota cantando para o doido.... pela sua voz ? também.

Duas Contas
(Garoto)
Teus olhos
São duas contas pequeninas
Qual duas pedras preciosas
Que brilham mais que o luar
São eles
Guias do meu caminho escuro
Cheio de desilusão e dor
Quisera que eles soubessem
O que representam pra mim
Fazendo que eu prossiga feliz
Ah, o amor
A luz dos teus olhos
      
                    

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