quinta-feira, 10 de maio de 2012

QUATRO DIAS DE EMOÇÃO E DE FOLIA


Do Oiapoque ao Chuí, o Brasil canta e dança durante no maior espetáculo da terra

E está rolando a festa. De hoje até quarta-feira, brasileiros de todas as idades — do Oiapoque ao Chuí — caem na folia e se esbaldam até o corpo mandar parar. Afinal, temos um espírito festivo, bem o percebeu Pero Vaz de Caminha, sujeito de família de muito boa cepa e escrivão da nau do capitão Pedro Álvares Cabral.
 Se o carnaval termina na quarta-feira, foi numa quarta que o Brasil começou —  22 de abril  de 1500 — pra toda esta festa rolar. Segundo Caminha, os nativos que os portugueses por aqui encontraram, dançavam e folgavam, “e faziam-no muito bem” — constatação de um domingo de Páscoa — e se animavam muito mais quando um gaiteiro, levado na comitiva de Cabral por Diego Dias, soltava o som pra rapaziada folgar e sorrir — “... andavam com ele muito bem, ao som da gaita”, relata Caminha sobre o que poderia já ser um gen atávico do Carnaval.
 Rigorosamente, para se chegar até a festa momesca de hoje, o país tropical fez um estágio no entrudo, perto do fim do Século XVIII. Em vez de mascarados venezianos, danças, marchinhas e sambas, havia batalhas com tintas, papéis, água, frutas, o que pintasse. Mas tudo na mais santa paz de deus, nos salões de casa, o entrudo familiar. Mas havia também a versão rua, praticada pelo povão de baixa renda e os escravos, que já apelavam para a grosseria, a violência, motivos da entrada em ação da polícia, em 1830, e da nossa primeira “globalização”. Isso mesmo! Importamos os passeios de mascarados e os bailes parisienses.
 Historiadores costumam lavrar a certidão de nascimento do Carnaval a partir de festas homenageando os deuses egípcios Ísis e Osíris, e também de celebrações e bacanais romanos. Talvez, esta seja a versão mais próxima do real, pois Roma promovia a Saturnália, quando uma multidão de mascarados pipocava em volta de um carro com o formato de um navio, se divertindo como quisesse. O tal carro gerou a palavra “carrum navalis” que disputa com “carne vale”, o adeus do corpo humano às alegrias profanas que antecediam ao baixo astral da quaresma.
 O carro naval romano, provocador ancestral das pipocas dos trios elétricos baianos, rodou até um período histórico conhecido por “renascimento”, quando a Europa queria reviver os seus melhores dias nas artes, nas letras, enfim, na cultura geral. Foi por aquela época que Cabral partiu de Portugal, carregando intuições de Vasco da Gama, para vir bater, “por inteiro acaso”, na Bahia, onde o poeta Castro Alves percebeu que a praça carnavalesca é do povo, “como o céu é do condor”. Naquele tempo em que o capitão luso navegava, os foliões começaram a usar fantasias e carros alegóricos, principalmente na Itália, na França e na Espanha, abrindo caminho para os impressionantes veículos que as escolas de samba do Rio de Janeiro levam hoje para a avenida. Mas o Rio é o Rio. Foi lá, no final do Século XIX, que o brasileiro começou a botar o bloco na rua — bem como os cordões e os ranchos —, e surgiram as musiquinhs  carnavalescas. A primeira delas,  datada de 1899, foi “Ô abre alas”, composta por Chiquinha Gonzaga, para o cordão Rosas de Ouro.    
  Enquanto Olinda, do lado de Recife, esquenta seu Carnaval com imensos bonecões e Salvador deixa a galera eletrizante nas ruas, o Rio de Janeiro vai em outra cadência. As suas escolas de sambas oferecem o que se chama de “o maior espetáculo da Terra”. Tudo começou em 1933, mas só em 1959 passou a ficar parecido com o que vemos hoje. Naquele ano, o Salgueiros lançou carros alegóricos mais ligados no tempo vivido e a Mocidade Independente de Padre Miguel, do Mestre André, lançou a pardinha que transformou em “ nota 10” a bateria da escola.             
 Em 1964, eram os diretores de harmonia os bambas do samba, casos de Natal da Portela, Mestre Fuleiro, do Império Serrano e Xangô da Mangueira, entre outros. Em 69, surgiam Rosa Magalhães, Arlindo Rodrigues e Maria Augusta e Joãozinho trinta, carnavalesco que ditariam novos rumos dos desfiles no futuro. O último deles, por sinal, inova os destaques dos carros alegóricos do Salgueiros e deixa a escola campeã do ano.
 Em 1982, o Império Serrano, de Rosa Magalhães e Maria Augusta, encantam o País cantando “Bum bum paticumbum pruigurudun” e critica o luxo das grandes escolas. A Mangueira responde, em 84, quando os desfiles inauguram o sambódromo” da Avenida Sapucaí. A escola leva o público ao delírio com um enredo homenageando o compositor Braguinha. O mesmo faz Joãozinho Trinta, em 89, com o enredo “Ratos e urubus, rasguem a minha fantasia”. Era o contraste entre o luxo e a pobreza, a mostra de um Cristo esfarrapado e censurado pela Igreja Católica. Mas a Vila Isabel mostrava, em 88, com “ Kizomba” , que nem  sempre o luxo era sinônimo de vitória.
 Em 1994, já era a vez dos desfiles de resultados. A Imperatriz Leopldinense faz evoluções tecnicamente perfeitas, mas não emociona a ninguém, a não ser os jurados. Em 2001, Joãozinho Trinta volta a emocionar, com a Grande Rio, colcoando um homem voador sobre o público. Por fim, a última grande emoção deste novo século ficou por conta do carnavalesco Paulo Barros, da Unidos da Tijuca, levando para a avenida uma pirâmide humana e um carro com alegorias que tentavam sobrepujar o valor humano ao tecnológico – e assim tem rolado a grande festa.         

Nenhum comentário:

Postar um comentário