Para quem deseja iniciar-se em histórias do cangaço, o livro “Os homens que mataram o facínora, a história dos grandes inimigos de Lampião”, de Moacir Assunção, é um bom começo. Produto de dez anos de persistentes pesquisas, o documento representa um mergulho profundo no túnel do tempo que passa pelas décadas de 1920 e 1930, relatando com gosto de leitura de jornal a trajetória de um bandoleiro que virou mito.
Jornalista de profissão e pesquisador por natureza, Assunção ouviu historiadores e viventes do dia-a-dia (pró e contra) de Lampião para colocar as escaramuças da caatinga nordestina nas 278 páginas deste livro lançado pela Editora Record. Partindo dos movimentos que obrigaram Virgulino Ferreira da Silva a entrar para o cangaço, ele teve o cuidado de aferir com rigor os passos de cada peça que compõe este ciclo da história que rende tantas lendas.
Um momento histórico bem interessante da pesquisa está a partir da página 65, quando o leitor verá Lampião como um rei absoluto do sertão, favorecido pela mudança de prioridade dos governos. Enquanto as forças policiais combatiam autonomistas, rebelados constitucionalistas e comunistas, ele não tinha contra quem lutar. Tempo favorável para exigir obediência dos coronéis, fazendeiros quem mais houvesse pelo sertão. Cita Assunção no capítulo terceiro do seu livro: “Com grande habilidade, Lampião tirava proveito de todas as ocorrências de vulto que envolvessem militares, desguarnecendo o sertão e deixando com s mãos livres para atuar”. Um desses bons exemplos aconteceu em 1922, quando o governador pernambucano José Bezerra Rufino Cavalcanti achava que o presidente da República, Arthur Bernardes , ingeria demais em seu estado, e puxou suas forças policiais para a beira da calçada do seu palácio, a fim de reagir a qualquer eventualidade de um perigo maior do seu mando de autêntico “vice-rei”.
Documentos e testemunhos de “coiteiros”, isto é, sertanejos que davam cobertura ao cangaceiro, bem como de militares que participaram das volantes (grupamentos militarizados pelo governo para perseguir Virgulino) atestam nas pesquisas de Assunção que Lampião gozou de folga bem maior após a Revolução Constitucionalista, em 1932, quando as forças nordestinas estavam no Sudeste combatendo. Dois anos antes, ele incomodava muito mais a Getúlio Vargas do que os “revoltosos”.
Assunção encontrou também belas trapalhadas dos donos do poder no meio dessa história de banditismo e de poder político. Por exemplo: Inimigo do presidente conservador Getúlio Vargas, de tendências nazifascistas, de repente, o bandido Lampião deixou de ser o inimigo público número 1 no governo Arthur Bernardes. Sob a proteção do Padre Cícero, fazendeiro, líder político e vigário de Juazeiro do Norte, no Ceará, o “Rei do Cangaço torna-se legalista e ganha a patente de capitão dos Batalhões Patrióticos que tentavam prender o líder revolucionário Luís Carlos Prestes. Como as tropas governamentais não conseguiam, o governo federal alia-se a Lampião, a única solução para dar fim a uma obsessão. Quer dizer: Virgulino deixa de lutar contra a direita e passa a ter um inimigo ocasional de esquerda.
Ordem constitucional, esquerda ou direita, Lampião sabia lá o que era isso! O que ele sabia é que um rifle era o melhor advogado e que a própria polícia que o perseguia não tinha interesse em matá-lo, pois comi dizia, “sou um pé de dinheiro”. Afinal, era subornando militares com o dinheiro dos fazendeiros que lhe davam guarita que obtinha alimento e munição. Seus maiores perseguidores até achavam que o cangaceiro tinha algum oficial do exército no seu bando, pois admirava-se das suas estratégias de combate. Relata Moacir Assunção, na página 129: “Sertanejo simples, de pouca cultura e quase nenhum estudo, Lampião não teve muitas oportunidades de freqûentar a escola, mas tinha grande inteligência nata. Sua realidade de compreensão da realidade política era muito superficial”.
Grande parte desta pesquisa de Moacir Assunção, transformada em livro, já foi publicada em jornais paulistas e em uma revista de circulação nacional. Para os apaixonados por Lampião, que deixam a razão de lado e preferem a lenda, o autor o decepciona mostrando que o “Rei do Cangaçio” jamais conseguiu matar seus dois maiores inimigos, o ex-compadre e vizinho Zé Saturnino, e o comandante de volantes Zé Lucena – terminou emboscado e crivado de balas numa operação liderada pelo tenente João Bezerra, em 28 de julho de 1938
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