quinta-feira, 10 de maio de 2012

DOM JOÃO VI, O ABRIDOR DE PORTOS


            
  Pressionado pela França, de Napoleão Bonaparte, que decretara um bloqueio marítimo continental contra a Inglaterra, e por esta, que bombardearia Lisboa e tomaria as colônias lusitanas, caso os velhos parceiros militares e comerciais apoiassem as sanções exigidas pelo imperador francês, a família real portuguesa estava encurralado. Se corresse, o bicho pegava; se ficasse, o bicho matava. Literalmente!. Por aquela época – 1807 –, Portugal era um país atrasadíssimo, mero entreposto comercial, vivendo às custas do estrativismo do Brasil, a sua principal colônia, e comprando tudo de fora, pois não tinha indústria. Pior: era dominado por uma sufocante doutrina católica, que chegava ao cúmulo de permitir que um príncipe perecesse de varíola, para na tomar uma vacina que Deus não produzira.  
 Com a rainha – Dona Maria I –, louca e mantida presa em um castelo, Dom João fora obrigado a assumir os destinos lusitanos, como príncipe regente. Logo ele, um sujeito indeciso, habitual em delegar decisões aos  assessores. O comandante de Portugal vivia apavorado com raios e trovões, acendendo velas e rezando para Santa Bárbara e São Jerônimo acalmarem os céus. Era o protótipo do português afeito a missas e procissões, única atividade de um país que fora o último da Europa a dar um basta nos tribunais da Santa Inquisição que mandara muitos inocentes para a fogueira.         
 Com a espada de Napoleão no pescoço, Dom João – leia-se os seus ministros – tentou fazer um jogo-duplo de lances políticos com franceses e ingleses. para ganhar tempo e evitar a invasão de Portugal. Fez até que aceitou os ditames napoleônicos, enquanto negociava, secretamente, com a Inglaterra, e chegou ao ridículo de chamar o embaixador de Londres em Lisboa, para avisá-lo de que tudo o que fosse confiscado dos ingleses em terras portuguesas seria devolvido, na forma de indenizações. Mero efeito demonstração, para engabelar os franceses.
 À medida que o tempo passava, os assessores de Dom João se viravam para não vê-lo destronado, como estava bem explícito na ameaça de Napoleão. Chegou-se ao ponto de tentar agradar o Imperador da França com jóias e propor o casamento do príncipe Dom Pedro com alguma descendente da corte napoleônica – lances errados no xadrez político contra um, cada vez mais, insaciável Bonaparte, que já tinha toda a Europa sob as suas botas.
 O indeciso Dom João ouvia a  voz de colaboradores simpáticos às glórias militares de Napoleão Bonaparte, que não viam mal algum em tê-lo subjugando também  Portugal, e dos que desejavam a continuação do trono dos Bragança na principal colônia ultramarina, o Brasil. Se bem que esta não era uma idéia nova, existia desde o século 18, sugerida pelo diplomata Luís da Cunha e continuada por Dom Rodrigo de Sousa Coutinho. Aventava-se isso sempre que o pequeno território português era ameaçado. E, daquela vez, o caso teve de ser levado a sério. Afinal, as tropas franceses de Napoleão já estavam a caminho.
MEDO DE COMBATER -  Historiadores e analistas econômicos e militares entendem que seriam grandes as chances de Dom João rechaçar as tropas de Napoleão Bonaparte nas portas de entrada de Lisboa. Simplesmente, porque o imperador francês não enviara para aquela campanha os seus generais de primeira linha e nem os seus melhores soldados profissionais. E não deixam de ter razão. Documentos comprovam que grande parte dos militares destacados para invadir Portugal não era fanática por Napoleão, mas recrutada em terras subjugadas por ele, ninguém que se empolgasse por nada do que era obrigado a viver. Como prova, o comandante das tropas, o general Junot, mostrara a sua incompetência, pouco depois da invasão, capitulando ante os ingleses e, humilhantemente, sendo obrigado a devolver tudo o que roubara do que ficara para trás na fuga da família real para o Brasil.
  Diante das agruras geográficas do caminho entre Paris e Lisboa, grande parte da tropa napoleônica sucumbiu. Quem sobrou, chegou a Portugal tão fraco e faminto, ao ponto de obrigar os lisboetas e carregar os seus fuzis, por não suportar mais o peso das armas.  Mas, preferindo não correr o risco de perder seu trono, Dom João e toda a sua corte de nobres, incluindo os burocratas, embarcou no dia 29 de novembro de 1807 rumo ao Rio de Janeiro. Quando Junot já era o dono de Portugal, ainda avistava, de longe, os navios dos fujões à caminho do Brasil.    
 INGLESES DESCONFIADOS -  Maior potência marítima mundial daquele tempo, a Inglaterra tinha 800 navios, só para combates. Portugal, que havia mandado nos mares, quatro séculos antes, já era um país sem armada, com não mais do que meia-dúzia de navios em condições de uso. Por isso, precisava da proteção militar dos ingleses, parceiros desde 1.114, quando ajudaram Dom Henrique de Borgonha a se tornar o primeiro rei português. E assim foi que Londres “desaposentou” o almirante Sidney Smith para comandar seis esquadras protetoras da viagem da família real portuguesa ao Brasil.
 Enquanto Portugal amanhecia abandonado pelo seu governo, naquele 29 de novembro de 1807, os navios ingleses assumiam posição de combate em frente ao porto lisboeta, pois nada lhes garantia que Dom João não  negociara qualquer acordo secreto com Napoleão. Caso fosse verdade, eles bombardeariam, imediatamente, a realeza e a cidade, como já haviam feito s com a Dinamarca, e tomariam, de quebra, as colônias lusitanas. Porém, nada daquilo ocorria. A tensão, enfim, desapareceu e todos os navios partiram juntos, levando a família real em naus separadas, por temor de uma tempestade que pudesse banir os Bragança da face da terra.             
 O número de acompanhantes da família real portuguesa na fuga para o Brasil ainda gera controvérsia entre os pesquisadores. O número mais levado em conta é 1.015 pessoas.  
  MAIOR ATO POLÍTICO -   Após 18 dias de navegação em alto mar, escoltado pelos navios ingleses Malborough, Monarch, Lon don e Bedford – dois haviam voltado – o futuro Dom João VI, que planejava coroar-ser Rei de Portugal, do Brasil e de Algarves, comunicou aos ingleses que alteraria a sua rota e passaria, primeiro, pela Bahia. E assim o fez. Fora a sua primeira decisão política unilateral. Aportou em Salvador, no dia 22 de janeiro de 1808, saudado pelo governador da terra, o Conde dos Arcos.  
 Durante um mês, Dom João viveu de festas entre os baianos. Mas deixou o seu maior legado política dos 13 anos que viveu no Brasil:  abriu os portos brasileiros ao comércio com todas as nações amigas – até então, só navios portugueses podiam sair com as riquezas da colônia.
 Abrir os portos brasileiros ao comércio internacional, no entanto, seria questão de mais dias, menos dias, quando Dom João estivesse no Rio de Janeiro, pois a pressão dos ingleses era insustentável. O ato, na realidade, constituía-se muito mais um afago do príncipe regente português a uma de suas quatro capitanias mais rendosas, e que ainda se ressentia da perca do status de capital brasileira, para o Rio de Janeiro.
 O historiador mineiro José Murilo de Carvalho imputa ao fato de o Brasil ser hoje uma grande nação territorial à capacidade de Dom João conseguir manter a unidade da colônia e da monarquia. Para ele, foi isso que  impediu a sua fragmentação, como a América espanhola. Já o pernambucano Evaldo Cabral de Mello discorda. Para ele, a unidade territorial brasileira foi construída ao longo do tempo, sem planejamento da coroa portuguesa. Muito mais, entende, causa da necessidade de garantir Portugal como nação, diante das realidades  devoradoras da França e da Inglaterra. Cabral de Mello não concebe Dom João VI fazendo nenhum esforço para adaptar sua máquina administrativa a uma nova realidade, a uma extensão territorial tão grande. O enxerga, pela janela da história, “empurrando tudo com a barriga”.
   O pesquisador inglês Kenneth Maxwell assume uma postura mais próxima de José Murilo. Lembra que, após as invasões napolônicas, a Espanha deu as costas para as suas colônias americanas, provocando guerras, por mais de 20 anos, desaguando na quebra da infra-estrutura plantada, no abalo das instituições e no evaporar das riquezas. No Brasil, observa Maxwell, houve continuidade das instituições, e até outras novas criadas por Dom João.
INDEPENDÊNCIA -   As discussões acadêmica sobre a o Brasil nação independente não incluem Dom João VI. Uma corrente histórica considera idiotice vê-lo apaixonado pelo Brasil, e exemplifica isso citandom a limpeza do cofre nacional, quando ele votou para Portugal, como já o fizera ao fugira de Lisboa. Uma outra corrente vê a nossa independência partindo de uma manobra contra-revolucionária, liderada pelo próprio filho de Dom João, Dom Pedro I, imbuído da postura política de barrar, no Brasil, as idéias liberais que as caravelas traziam dos portos portuguesas.
 Um ano antes de Dom João voltar a Portugal, a região do Porto já havia enfrentado uma revolta constitucionalista. No Rio de Janeiro, cidade portuguesa dentro do Brasil,  verdadeiro corpo estranho ao organismo brasileiro, os absolutistas, contrapondo-se aos liberais, davam total apoio ao filho do Príncipe Regente – a pesquisadora Maria Odete Leite da Silva Dias trata muito bem do tema.
 Quando se vê em Dom João VI alguma responsabilidade pela independên cia brasileira, uma corrente histórica o situa como ajudante não intencional.  Como? Antes de sua fuga para o Brasil, colaboradores já sugeriam compensar a perda de Portugal (para Napoleão) pela anexação de parte de territórios do Chile, da Argentina e da Guiana Francesa. O sonho imperialista luso-brasileiro, no entanto, foi um fracasso. Guerras no Norte, contra os franceses, e no Sul, onde Carlota Joaquina pretendia reestabelecer o domínio espanhol no Rio da Prata (ela era espanhola), onde fica hoje o Uruguai, só serviram para afundar, financeiramente, o regime de Dom João VI. Uma outra vertente histórica enxergava o sonho imperialista do Rio de Janeiro como algo que gerava temor aos portugueses residentes em Portugal.  Eles não queriam ser dominados pela colônia e teriam armado o movimento separatista a partir de Lisboa.
  No Brasil, se Dom João VI decidia, ou não, o certo foi que a história lhe atribui atitudes plausíveis, bem condizente com o seu momento colonialista, como quando sufocou tentativas separacionistas em Pernambuco, na Bahia e em Minas Gerais. Nesse ponto, se o Brasil tem dimensões continentais,  se deve a ele.  
CRONOLOGIA DA FUGA
24 de novembro de 1807
Dom João convoca o Conselho de Estado português e decide fugir para o Brasil
27 de novembro
A família real embarca nos navios, mas por falta de ventos, só zarpa do porto de Tejo, em Lisboa, dois dias depois.
30 de novembro
O general francês Junot entra, pela manhã, em Lisboa
5 de dezembro
Duas esquadras ingleses deixam de acompanhar a família real, ficando quatro que seguem até o Brasil na escolta
9 de dezembro
Uma grande tempestade divide a frota, desviando a rota (depois corrigida) dos navios
21 de dezembro
Dom João comunica ao capitão inglês James Walker, do navio Bedford, que não faria paradas até o Rio de Janeiro.
28 de janeiro
Dom João está decidido a abrir os portos brasileiros às nações amigas e prepara a promulgação de sua primeira carta régia no Brasil
16 de janeiro de 1808
Dom João comunica a James Walker que mudara de idéia e decidira parar na Bahia      
22 de janeiro
O navio Príncipe Real, com Dom João, seu irmão, Dom Miguel, o Príncipe da Beira, infante Dom Pedro, o infante da Espanha Dom Pedro Carlos, e a rainha Maria I, chega ao porto de Salvador, após 54 dias de viagem. O Brasil está aberto às nações amigas para o comércio marítimo. É a primeira providência  do Príncipe Regente, ao pisar em solo americano.
26 de fevereiro
Dom João deixa Salvador e vai para o Rio de Janeiro.
7 de março
Dom João chega ao Rio de Janeiro, mas só desembarca no dia seguinte. 


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