Há 180 anos, Ludwig van Beethoven saía das partituras para entrar na eternidade
O mundo da música relembra, neste ano, que, em 1827, um dos seus representantes mais talentosos saía desta vida para virar uma grandiosa lenda. São 180 anos sem a presença física de um sujeito moreno e de cabelos bem pretos, que mais os seus antepassados flamengos, do que um alemão. Trata-se de Ludwig van Beethoven, nascido no dia 16 de dezembro de 1770, em Bonn.
Parecia que tudo conspirava para o garoto Ludwig não ser um gênio. Seu pai, Johann, um músico frustrado, herdou o alcoolismo da mãe – Maria Josefa, que vivera seus últimos dias de vida, louca, num asilo –, e dava-lhe surras tremendas, sempre que ele se distraía nos exercícios do cravo, do violino e da viola, que estudava simultaneamente. Sair de casa para brincar na rua com as outras crianças, nem pensar. Antes de completar 9 anos de idade, o pai ainda encarregou organista, Heinrich vander Eeden, de passar os seus segredos para Ludwig, em cima da obra de Johann Sebastian Bach.
Solitário e confinado às partituras musicais que começara a estudar, aos cinco anos, com o próprio pai, o garoto Ludwig van Beethoven foi crescendo cercado por muitos dramas. Resultado: tornou-se nervoso e inquieto, apresentando, em conseqüência disso, um, mau rendimento escolar. A sua letra era horrível e a matemática dificílima de entender. Pra completar o fracasso na escola, não conseguir aprender o latim, língua essencial aos intelectuais da época.
Se fosse só isso que conspirava contra Beethoven, estava até bom. O piro de tudo era que o pai e seu terceiro professor de música – Tobias Pfeiffer – tomavam porres homéricos nas noites de Bonn e, não satisfeitos, iam acordar Ludwig para tocar para eles. Tonto de sono, o garoto ainda levava, em altos brados, esculachos monumentais do mestre, levando os vizinhos, muitas vezes, a chamar a polícia. Eram tumultos que deixavam o menino apavorado.
UM ALÍVIO - Beethoven só começou a ter tranqüilidade para desenvolver os seus estudos musicais quando caiu nas mãos de Christian Gottlibe Neef, o organista-mor da corte, sujeito equilibrado e de grande erusdição. Com Neef, ele ampliou suas noções de teoria musical, aprimorou o estilo de tocar o órgão e encontrou-se com o mundo de compositores famosos, como Mozart e Haydn. Quando estava com 11 anos, tornou-se organista-suplente da côrte. Três anos depois, solista de cravo. E publicou uma obra: Nove Variações para Piano sobre uma Marcha de Ernst Dressler.
Como não ganhava nada tocando para os nobres, Beethoven inquietava-se, principalmente porque seu pai continuava aprontando todas, deixando a família na pior. Sorte dele que o Príncipe Eleitor de Bonn, Max Franz, o ouviu tocar, gostou e mandou que lhe pagassem um salário de 200 florins, a metade da renda mensal do pai. Com 16 anos, toda a Bonn, cidade de apenas 9 mil habitantes, tinha-o como um gênio. Era preciso enviá-lo a Viena. E, assim, chegou à Áustria, em 1787, levando uma carta de apresentação, do príncipe Max Franz, para Mozart. Mas este o tratou com indiferença.
O garoto Ludwig passou poucos dias com o grande Mozart, que não deixou de reconhecer o seu assombroso talento, e até previu o seu sucesso futuro. O encontro foi interrompido pela sua necessidade iminente de voltar a Bonn, para tentar encontra a sua agonizante mãe – Maria Magdalena – ainda viva. Como ele tinha uma adoração suprema por ela, passou a cultuar a sua memória e, nunca mais, deixou que nenhuma outra mulher penetrasse em sua vida. Deprimido pela parda da mãe, dois meses depois, Beethoven perderia, também, a irmã Margarida, e entraria em apatia total. Enquanto isso, seu pai, o incorrigível Johann, não tomava conhecimento dos seus outros irmãos – Johann e Karl –, devia a toda a cidade e vivia sendo procurado pela polícia.
ARRIMO DE FAMÍLIA - Aos 17 anos, Beethoven tornou-se responsável pela criação dos seus dois irmãos, contando, para isso, a metade da aposentadoria do pai, que gastava a outra metade nas tabernas de Bonn. Daquele fase, surgiram duas criações, um trio para cordas e um prelúdio para piano. Quis o destino
que, em 1788, ele conhecesse o Conde Waldstein, que passou a protegê-lo e a liderar uma campanha para mandá-lo de volta a Viena. A partir de 1792, a capital musical da Europa sentiria o impacto da sua obra.
Beethoven aceitava ajudas, mas não permitia que ninguém tolhesse a sua liberdade. Embora respeitasse as normas dos grandes mestres da música erudita, era um individualista que exprimia integralmente a sua personalidade. Na sua volta a uma Viena, ele passou a estudar com Haydn, que era um grande compositor e um péssimo professor. Por causa daquilo, passou a receber aulas, também, com Johann Schenck, sem informar a Haydn. Um ano e pouco depois, estava rompido com ambos e sendo aluno de Johann Albrechtsberger, que não o via fazendo nada decente.
Embora Albrechtsberger achasse que Beethoven não tivesse aprendido nada, o certo foi que o rapaz de Bonn dominou o ambiente musical da cidade, como previra o já inexistente Mozart. Com 24 anos, ele já havia definido como seria a sua música e achava que não precisava da orientação de mais ninguém – só precisava de dinheiro, pois continuava um pobretão.
O desafogo financeiro de Beethoven surgiu quando o príncipe Karl Lichnowsky o levou para morar em seu palácio e pagou-lhe salário de 600 florins, o equivalente ao ganho, de uma vez e meia, de um chefe de família, na época do império alemão, em Bonn.
GÊNIO DIFÍCIL - Por ser um pobretão e de origem humilde, quando passou a ter uma boa renda, Beethoven, a partir dos 25 anos de idade, não aceitou mais presentes da aristocracia. Antes disso, já evitava as mulheres daquele meio, pelas quais se apaixonava, como a viúva Breuning e sua filha Eleonora, além de Jeanette Honrath e Maria von Westerhold. Tratava-as com rudeza e distanciava-se delas.
Em 1795, quando os mestres da música só se apresentavam nos palácios, Beethoven realizou a sua primeira apresentação pública, em Viena, um concerto para piano e orquestra, que lhe valeu impressionantes aplausos. A glória coincidiu com mais um drama: Bonn fora ocupada pelo exército francês e seus irmãos, já sem o pai, caíram na marginalidade. Então, Johann e Karl foram atrás dele, para lhe criar novos problemas. Enquanto o primeiro torrava a sua grana, o outro vendia as suas partituras para o exército austríaco, chegando a ganha tanto dinheiro ao ponto de comprar um castelo. Mas Ludwig seguia produzindo minuetos, sonatas e quintetos, aos montes.
Famoso e ganhando bem, Beethovem passou a ser requisitado pelas aristocracias de Berlim e de Praga. Mas era um solitário. Aos 28 anos, passeando por um bosque dos arredores de Viena, um amigo chamo-lhe a atenção para a beleza de uma melodia tocada por um pastor de cabras. Ele não ouviu nada. À medida que a surdez aumentava, fugia mais do convívio social, temendo que sua carreira fosse prejudicada. Quando uma nobre vienense – Therese von Brunswinck – apaixonou-se por ele, fugiu, preferindo um amor platônico pela irmã, Josefina, que casou-se com outro – o coração Beethoven respondeu com a Sinfonia nº 1 em Dó Maior.
Mal saído de uma paixão, Beethoven emendou uma outra, por Giulietta Guicciardi, que também casou-se com outro. Juntando aquilo à surdez, passou a considerar o destino cruel. E compôs a “Sonata ao Luar”. E produziu outras tantas obras grandiosas, sem intervalos, até encotrar o caminho da monumentalidade com Sinfonia nº 3 – Opus 55, homenageando Napoleão Bonaparte, o qual execrou quando este se fizera imperador francês.
Aos 36 anos, quando as tropas de Napoleão invadiram Viena, a surdez de Beethoven fez com que o teatro da cidade o rejeitasse. Sua música, porém, o distinguia de todos os contemporâneos, como vieram demonstrar, em seguida, as quarta, quinta e sexta sinfonias, todas revolucionárias.
O próximo problema de Beethoven surgiu quando ele contava 45 anos: disputou, com uma cunhada, a tutela de um sobrinho. Levou cinco anos para vencê-la. À medida que envelhecia, Beethoven perdia a empolgação pelo seu sucesso. Em 7 de maio de 1824, quando apresentou a Sinfonia nº 9 – Opus 125, durante o terceiro movimento, as palmas se irromperam. A final da apresentação, mais aplausos. Ele tinha o olha rfixo na partitura, não percebia nada. Só depois de tocada por um soprano, pôde perceber lenços, chapéus e mãos agitados, lhe saudando. Sua surdez já era total.
No começo da noite de 26 de março de 1827, depois de muito lutar contra a cirose e uma pneumonia, um relâmpago despertou Ludwig van Beethoven da semiconsciência. Num gesto instintivo, ele ergueu um punho fechado no ar. Fora o seu último movimento – o início de uma nova sinfonia na eternidade.
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