quinta-feira, 10 de maio de 2012

CACHAÇA APAGA 475 VELINHAS

Bebida genuinamente brasileira passou 124 anos proibida pelos portugueses

 Carnaval e cachaça formam (ou acabaram de formar) uma dupla infernal. E, agora, quando o Rei Momo já foi pra casa, e só volta dentro de um ano, é a hora de a rapaziada ameaçar secar o pescoço, por dentro, por um bom tempo. Se bem que, a maioria, fica só na ameaça. Ameaça? Sim. Por sinal, está é um vocábulo indissociável da história da “danada”. Isso mesmo!
A cachaça viveu 124 anos – de 1635 a 1759 – com seus “vassalos” ameaçados de cadeia, pelos colonizadores portugueses que mandavam por aqui. E eles eram cruéis com quem a produzisse e a comercializasse. Consumir, nem pensar. Ainda bem que a “branquinha” está reabilitada. E assoprando mais uma velinha. Neste ano, a cachaça completa 475 anos que foi produzida, pela primeira vez, no Brasil.
 De início, a “marvada” era a companheira de negros e  mestiços e, por tabela, dos índios. Se bem que os portugueses também davam seus tapinhas na “bichinha”. E, como nestas terra brasilis, toda lei fora feita para – diziam os antigos –, dificilmente, ser respeitada, de tanto ser contrabandeada, durante o tempo em que foi proibida,  a cachaça terminou descendo pela goela abaixo de outros povos, para sorte do mercado exportador  brasileiro.
 Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Interior, a cachaça emprega 900 mil brasileiros e arrecada, anualmente, US$ 600 milhões de dólares, decorrentes de 1 bilhão e 300 milhões de litros produzidos a partir de 125 mil hectares plantados com a cana-de-açúcar. Desse montante, 300 milhões de litros de “pinga” são produção artesanal, a cargo de 25 mil alambiques que não desprezam as técnicas seculares. O restante da produção provém de 5 mil empresas que usam o processo industrial moderno. Mas o governo acha tais números mixurucas, tendo em vista que, apenas, 12 milhões de litros são exportados, representando só 1% do produzido.
 CARTEIRA DE IDENTIDADE - A cachaça nasceu na paulista São Vicente, em 1533, isto é, pouco depois de Pero Vaz de Caminha escrever ao Rei Dom Manuel, avisando-o de que, por aqui, em se plantando, tudo dava. Como a turma levou a sério o que o escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral propagou para Portugal, plantou-se a cana, produziu-se o açúcar, o melado, a rapadura e o melaço, até destilar-se o mosto fermentado. Foi, então, que nasceu o vinho de mel da cana-de-açúcar. Depois, ela, a  “caninha”, que já tem seis mil marcas registradas na praça.
  Os apontamentos governamentais elegem São Paulo como o grande produtor de cachaça industrializada do País.  Minas Gerais responde pela maior quantidade da produção artesanal. No entanto, tem-se Paraty, no Rio de Janeiro, como a fabricante do que de melhor se faz no setor. Por sinal, quando os primeiros alambiques começaram a produzir o que se chamava de aguardente da terra, vinho da terra, a “jeribita” já foi chamada de “paraty”, em homenagem à terra produtora
 O pesquisador Marcelo Câmara, autor dos livros “Cachaças – Bebendo e
Aprendendo –  Guia Prático de Degustação” e “Cachaça – Prazer Brasileiro”, diz que não se pode confundir a cachaça que sai do alambique, branquinha, com o cheiro da cana e graduação alcoólica entre 38 e 48 graus,  com a cachaça envelhecida. “Esta é uma outra bebida”, avisa.  Câmara admite que a cachaça de alambique possa ser guardada em madeira “quase-neutra”, mas adverte que a cachaça envelhecida sofre alteração nas suas características sensoriais, “devido a ação da madeira que temperou sua cor, aroma e sabor”.
VICE-LÍDER - Se você não sabia, fique sabendo que você bebe 11 litros de cachaça, por ano. Quer dizer: se não bebe, alguém bebe pra você. Este é o número médio, atribuído pela economia nacional, na relação consumo-produção brasileira. Pela parte que lhe toca, os “gringos” que nos visitam entram com a sua cota de admiráveis consumidores de caipirinhas, caipiroscas e outras “oscas”, dentro do total de 900 milhões de litros consumidos “da lapada que derrubou o guarda”.
 Principal destilado consumido pelos brasileiros, a cachaça, “mulher faceira”, só perde seus amantes para uma concorrente, a “loira estupidamente gelada”,  paquerada, carinhosamente, como “cervejinha”. Afinal, vivemos em um país tropical, dá-se um desconto para a ”filha do alam (bique)l”. Para os experts, nenhuma outra bebida destilada no planeta possui  a sua exuberância sensorial – estamos vingados.       
CERTIDÃO DE BATISMO - De acordo com o pesquisador Câmara Cascudo, a palavra cachaça vem  do castelhano cachaza, referente ao vinho da borra do mel. Caldas Aulette não tem tanta certeza, e fica entre o castelhano e o africano. De sua parte, outro pesquisador, Silveira Bueno, lembra que, no Brasil colônia, a porca era chamada de cachaça  e o porco de cachaço. Como era costume  colocar aguardente na carne do animal, para amolecê-la,  segundo ele, cachaça (porca)  e aguardente passaram a ter o mesmo significado.  Câmara Cascudo, por sinal, concebe a cachaça como aguardente de mel de cana, ou de borra de mel, destilada.       
 Como não se anotou o dia em que o primeiro gole de cachaça pingou de um alambique no Brasil, sabe-se que a fabricação da “água que passarinho não bebe” proliferou quando os colonizadores portugueses montaram por aqui os seus primeiros engenhos açucareiros, a partir de 1540.  Por volta de 1651, a produção de cachaça cresceu bastante e a “canjibrina” passou a ser exportada para Portugal, que se encarregava de repassá-la para toda a Europa.
 A cachaça passou a ser tão importante na economia imperial brasileira, que, em 1817, quando Pernambuco resolveu encarar Dom João VI e se separar do Brasil, a “birita” foi um dos alvos dos boicotes dos revolucionários. Inclusive, um dos revoltosos, o padre João Ribeiro, erguia brindes com a “espevitada”, no lugar do vinho do Porto. Bem mais tarde, já em 1932, quando da Revolução Constitucionalista, aberta pelos paulistas, estes espalhavam que os legalistas bebiam cachaça com pólvora para combatê-los. 
 Tornada sinônimo de mimos e prazeres, a cachaça entrou na alma brasileira, para nunca mais sair. Tem até um “causo” folclórico do padre sertanejo, que, ao fazer um sermão criticando os cachaceiros da cidade, mostrou aos fiéis um crucifixo com a imagem de Jesus Cristo, dizendo:  “Este aqui é a minha cachaça”
CACHAÇOLOGIA - Bate-bate: cachaça com maracujá e mel de abelha
Batida paulista: cachaça com liomão, água e açúcar
Cachimbo: cachaça com mel de abelha
Compadre Sam: cachaça com Coca-Cola gelada
Canelinha: cachaça com gengibre, açúcar e canela em pó
Leite-de-onça: cachaça com leite condensado
Mãe-de-família: cachaça com vinagre e caldo de feijão
Perua: cachaça com caldo de cana
Rabo-de-galo:  cachaça com Cinzano
Requentão: cachaça com café reequentado
Rosa-sol: cachaça com cravo, calda grossa de açúcar, erva-doce e canela em pau
Xinape: cachaça com café

              


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