quinta-feira, 10 de maio de 2012

ROUBARAM O MEU VIOLÃO

Levaram o pinho de compositor goiano que faz a alegria de um estacionamento de shopping

Serginho Preguiça chegou, “assuntou” e não viu o violão que, costumeiramente, descansava a um canto, enquanto Seu Gerino lavava um carro. Futucou o colega e perguntou-lhe  pelo “pinho”. O cantador “deu uma zoiada” e não se enganou: fora roubado.  Compositor de música de raiz, a sertaneja goiana, o velho  chorou. Logo ele, que vive cantando e fazendo as pessoas sorrirem, quando solta a voz e entoa letras engraçadíssimas.
 Muito prazer em apresentá-lo. Gerino Alves Pereira, de 63 anos, é a figura mais popular do estacionamento do Liberty Mall, onde lava carros, desde 1999. Ele vive disso e, nas horas vagas, dá uma canja pelos botecos de Lago Azul ou pelas feiras do Pedregal, de Luziânia e de Alexânia, “para melhorar o orçamento”, justifica ele, cuja vida artística é tão dura quanto a profissional. “Tem dia que não pinga nada nas duas”, conta, lamentando não poder aumentar o preço dos seus “serviços “automotivos”, R$ 5 reais para limpar um carro, só por fora, e o dobro, se for serviço completo.
 Seu Gerino só estudou até o antigo terceiro ano primário, mas as suas letras demonstram muita vivacidade, caso do seu hit é “Caldo de Piranha”, estrategicamente composta, “porque qualquer boteco tem”, malandreia ele, que adicional à cantoria até uma receita própria de preparo da iaguaria (ler receita). Já os versos têm passagens picantíssimas e que leva a galera às gargalhadas, como em: “...Quando eu falo de piranha/Vocês já dão risada/Tô falando de um peixe bão/Não tô contando piada/Piranha gostosa, sim/Não se encontra no cerrado/...Das piranha da cidade/... Um um peixe muito gostoso/Mas difícil de pegar/Isca de dez e vinte/Ela não quer beliscar/Só com isca de 100 real/É capaz de você pegar/...Se seu marido tá nervoso/Manda ele ir pescar/Se ele pegar uma piranha/É capaz de se acalmar...”
ARANHA JAPONESA - Boas risadas também são dadas quando Seu Gerino canta “Aranha Japonesa”. Esta saiu por conta de ele ter tomado um intinerário indevido, “quando as vista faiô” e terminou adentrando por uma porta errada de um logradouro público. Tem coisas assim: “...no Palácio Buriti/... tinha uma japonesa/Querendo fazer xixi/... a primeira coisa que eu vi/Um bichinho de cabelo/Parecendo um siri/...Ela disse num palavreado/É aranha japonesa/Num é bitcho do xerrado”.
 Geraldo Alves Pereira, de 40 anos e que vende alimentos e refrigerantes no quiosque “Come Queto”, no estacionamento do shopping, é um dos que mais dão risadas com os versos de Seu Gerino. “Ele alegra a gente o tempo todo, com cantorias engraçadas. O homem parece que não tem problemas na vida”, observa o barraqueiro, que não pensaria duas vezes para comprar um CD com a música de raiz do lavador de carros.
Seu Gerino é o que se pode chamar de “compositor em movimento”. Bolou as 34 músicas de sua autoria (não registradas) dentro de um ônibus, durante o seu percurso diário, entre Lago Azul e a W-3 Norte, o que lhe exige um gasto diário de R$ 6,80. “Às seis da matina, estou com o pé na estrada. É quando bate a inspiração e fico matutando. Até a criança berrar, as vezes, o parto leva uma semana”, relata.
AMANCEBADO MUSICAL - Seu Gerino  “se amancebou” com a música, na casa dos seus “vinte-e-tantos anos”, quando morava no sitio Sabaru, em Luziânia (hoje, município de Santo Antônio do Descoberto). Ali, suas noites – e de muitos vizinhos – eram embaladas pelas ondas de rádio que seu pai ligava numa estação por onde desfilavam Tonico e Tinoco; Jacó e Jacozinho; Pedro Bento e Zé da Estrada; Zico e Zeca; Vieira e Vieirinha; Lio e Léo, Pitangueira e Zé do Fole, e vários outros. Mas foram Teixeirinha e Zé Fortuna que lhe entusiasmaram mais. 
 Mesmo treinando muito, até hoje, Seu Gerino não se considera um bom violeiro. Diz que, desde os 30 anos de idade, vem tentando “dominar o bicho”. De sua parte, Renato de Sousa Moreira, de 35 anos e também lavador de carros, discorda. “Rapaiz, se ele não é bão nesse trem, nem sei quem é. As músicas dele são tão engraçadas, que´ele já divia tê cantado no programa do Jô (Jô Soares, na TV Globo)”, sugere, no seu idioma nada caprichado.  
 Elogios à parte, Seu Gerino se envolve tanto com o seu lado artístico, que se esquece até de certos benefícios sociais. Por exemplo, não sabia que, por ter mais de 60 anos de idade, poderia fazer o seu trajeto diário economizando os gastos, desde que tivesse a carteirinha que beneficia a galera da terceira idade. No momento, ele está muito mais preocupado é com a comprar de outro violão. Por isso, pede aos fãs uma ajuda, de R$ 3, para juntar R$ 350, e obter um modelo idêntico ao que usava, de fabricação chinesa e cuja marca ele não consegue pronunciar – já juntou R$ 270.    
VERSOS PROIBIDOS - Nem com um revólver na testa, Seu Gerino revela que ele seria o “ricardão” da música “Português Chifrudo”. Pensa até mesmo tirá-la de circulação, para manter a sua política de boa vizinhança com o portuga, sem contar que ele é torcedor do Vasco da Gama.
 Impiedoso, Seu Gerino não o perdoa o português nos seus versos: ...”Ele ficava com ela a noite/E eu ficava durante o dia/...Ele canta muito bem/Mas não toca viola/...Os amigos que ele tem/Lhe chamam de chifrudão/Os amigos que são meus/Me chamam de garanhão..”
  Com uma operadora de telefonia móvel, Seu Gerino quase comprou uma briga. Tudo porque tentava falar com uma namorada e seu celular nunca respondia. Como vingança, sapecou uma  letra salpicada de construções impróprias a um Camões, mas facilitantes da rima: “...Só escuto falar assim/Este número não atende/Também não tem caixa de mensage/Se você quiser/Volt´a ligá mais tarde/...Qualqué dia desses/Eu vô na casa dela/...Eu vô bater na sua janela”.
   Raimundo Morais, de 33 anos, gerente da Benecolor e portando carteira de identidade piauiense, diz que “mija de rir” quando ouve o cantador arremedando o celular. “Ele é goiano, mas suas músicas têm o espírito malandro do que eu ouvia nas feiras das minha terra”, compara. A vendedora Iracema Aragão, de 26, da mesma loja, concorda. “Lá no Ciará véi, essas canturias do Seu Gerino arromba o varal (local onde se coloca roupas para secar ao sol)”,  assegura.
CHAPÉU SEM VEZ - Colocar o chapéu no chão para a rapaziada “izcurregá uns minréis” é assunto fora de questão para seu Gerino. “Nunca dei o sentido de esmolé em minhas canjas. Tem gente que, depois de me ouvir cantar, pergunta logo pelo CD. Como digo que nunca gravei, tira R$ 5, 10 contos da carteira e coloca no bolso da minha camisa”, gaba-se.
Jonathan Diego Ferreira Lopes, de 22 anos e designer gráfico, dá o aviso: “No dia que esse véi quiser lançar um CD, faço questão de produzir o selo e a capa, pois quero pegar carono também no sucesso”, prevê.   
   É claro que, com tanto sucesso, Seu Gerino, “ais vêiz” recebe umas piscadinhas de “zóis d´umas pecadoras”. Mas, depois de 28 anos de desquitado e sete filhos criados, ele diz que se modernizou. Não quer nada sério, “pra num me comprometê”. Prefere “ficar”. E enquanto não compra uma nova viola, manda um recado para o “Ladrão Safado”, de quem espera ver “devolvendo o meu bem-querer,  e até comprando o meu futuro CD”, ainda crê.
LADRÃO SAFADO (Letra e música de Gerino Alves Pereira)
Uma dia desses passado/Eu fiquei aborrecido/Porque um ladrão safado
Levou meu violão amigo/O violãzim chinês/Tem um bonito tinido
Depois que o ladrão levouMeu coração tem sofrido/Ladrão, ladrão
Que roubou meu violão/Se eu te pego/Eu te boto na prisão/Ladrão safado
Se eu te pego/Eu te ponho atrás das grades/Por favor ladrão safado
Me devolve o que é meu/O violão que tu levou/Foi minha filha quem me deu
Um presente e relíquia/Que um pai mereceu/Depois que você roubou
/O coração entristeceu
 RECEITA DE CALDO DE PIRANHA DE SEU GERINO - Tira-se só as escamas e cozinha-se, com cabeça e tudo. Depois, passa-se tudo na peneira. Joga-se os ossos fora. Coloca-se tempero à gosto, como pimenta do reino, pimenta baiana, sal e cheiro verde. Refoga-se o que está na panela e acrescenta-se um pouco de farinha, para se ter um pirão. Se quiser só o caldo, basta dispensar a farinha.

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