A passagem do ministro da Educação, Rubem Ludwig, para a chefia do Gabinete Civil da Presidência da República, aliado ao fato de o Comando Militar do Planalto estar ns mãos do açodado general Newton Cruz, intuía aos analistas preverem uma possível tentativa de golpe militar, ou seja, a sucessão do presidente João Figueiredo indo parar nas mãos do general José Medeiros.
Antecipando-se a tal possibilidade, o deputado mineiro Jorge Vargas, que era piloto de avião, solicitou um plano de fuga, secretísimo, ao coronel Kurt Pessek, ex-membro do Gabinete Militar do governo Figueiredo, à época em que o comandante era o general Hugo Abreu. O escolhido fora precussor e preparador de pistas, quando servira na Brigada de Pára-Quedistas do Rio de Janeiro, e tinha contatos importantes entre os militares.
Além do deputado Jorge Vargas, somente o senador José Sarney, candidato a vice-presidente, na chapa de Tancredo Neves, ficara sabendo do plano. Por aquela época, fora montado um gabinete tancredista, no Setor Comercial Sul de Brasília, onde Pessek levava todas as informações sobre o que estava levantando e fazendo. Surpreendentemente, para o coronel, Sarney tinha mais contatos do que ele pudesse imaginar dentro da área militar. “Imagino que fosse pelo fato de ele ter sido presidente do PDS”, avalia Pessek.
Com o plano transcorrendo, era preciso uma quarta pessoa tomar conhecimento, o senador Severo Gomes. Até então, não seria necessário informar nada ao deputado Ulysses Guimarães, o presidente do PMDB, que andava com suas atenções voltadas muito mais para a viagem que o presidente eleito agendara, para o exterior, onde manteria importantes contatos políticos.
Perto da viagem de Tancredo, o coronel Pessek conversou com Sarney e informou ao futuro chefe da nação que o general Newton Cruz poderia produzir algum problema para a sua posse. Kurt Pessek confirmara, com fontes secretíssimas, favoráveis ao fim do ciclo militar no poder, que a maioria dos militares estavam consciente de uma possível reação do temível “Nini” (apelido do general Newton Cruz), caso o presidente João Figueiredo não suportasse a pressão de um esquema favorável à sua sucessão pelo general Medeiros. Um dos exemplos era o cerco do Congresso Nacional, pelo comandante militar do Planalto, como prova de sua lealdade ao João, em abril de 84.
Para ao coronel Kurt Pessek, o general Newton Cruz tinha o que a maioria dos militares não tinha: liderança. “Ele poderia, seguramente, tumultuar o processo sucessório. Diante da minha experiência de brigadista precussor, eu não descartava, nem mesmo, um possível rapto do Tancredo (Neves), para impedir a sua posse”, revela o coronel Pessek.
O presidente eleito recebeu vários relatórios sobre a situação e os passos que estavam sendo seguidos, para uma eventual fuga. “O doutor Tancredo, quando eu o abastecia de informações, sempre me perguntava como ficaria a situação com ele no exterior”, conta Pessek, acrescentando: “Eu lhe dissera: Viaje tranqüilo, que o plano (de fuga), caso seja preciso usá-lo, será infalível. E avisei-lhe que o senador Severo Gomes também precisava ter conhecimento de tudo”.
O GABINTE DE SEVERO – Numa segunda-feira de pouco movimento no Congresso Nacional, perto do início da noite, quando a casa começava a se esvaziar, o coronel Kurt Pessek foi chegando ao Sendo, pela entrada dos fundos, verificando, detalhadamente, cada milímetro do pedaço. Constatou a existência de uma parede fechando os gabinetes senatoriais com vidros. Dando a entender que passava as vistas num jornal, despistadamente, ele observou que, abrindo-se um daqueles vidros, atingiria-se os jardins dos gabinetes e, facilmente, se sairia prédio, passando-se pelo estacionamento dos automóveis, no lado norte da Casa.
Feita a primeira checagem, para um possível plano de fuga para Tancredo Neves – caso o Congresso Nacional não assistisse a sua posse –, o coronel Pessek disse ao deputado Jorge Vargas. “Pode providenciar o avião. Não precisamos mais do que um monomotor”.
Se o general Newton Cruz iniciasse marcha, com as suas tropas, rumo à Esplanada dos Ministérios, para impedir Tancredo Neves de assumir o governo, imediatamente, o coronel Kurt Pessek seria informado por um outro coronel, este da ativa e servindo dentro do Comando Militar do Planalto. “Era um espião, um grande amigo meu”, define, não revelando o nome do colega.
Pelo que Pessek definira, assim que ele fosse informado por seu espião, teria 27 minutos para tirar Tancredo Neves do plenário da Câmara. O tempo de deslocamento das tropas de Newton Cruz estavam cronometrados, com margem de erro para mais e para menos, na proporção de quatro minutos, levando-se em conta que a pista do Eixo Monumental, ligando o Setor Militar Urbano à Esplanada dos Ministérios, já estivesse fechada ao trânsito de veículos.
Deslocamento iniciado e Pessek informado, Tancredo seria retirado, imediatamente, do plenário da Câmara, e conduzido até o gabinete do senador Severo Gomes, o mais próximo do estacionamento coberto do Senado. “Quantos passos ele daria, quanto tempo gastaria no percurso, estavam previstos. Severo não deveria ter ninguém no seu gabinete, para o Tancredo entrar no banheiro e usar um disfarce, a começar por uma peruca. Em seguida, sairia com pessoas não conhecidas na Casa, para não despertar suspeitas. Nós estaríamos por perto, esperando-o, ao lado de um caminhão”, relembra o estrategista.
O CAMINHÃO ESTRATÉGICO – Nada do que fora estudado e traçado daria certo, caso um caminhão contratado para chegar ao estacionamento coberto do Senado não estivesse no local marcado, no momento previsto. “Fiquei preocupado”, não nega o coronel Kurt Pessek, prosseguindo: “O gerente da empresa que negociei o aluguel do caminhão, no Setor de Cargas de Brasília, disse que não teria nenhum disponível naquele momento, mas, no dia seguinte, daria um jeito. Eu não poderia sair de firma em firma atrás de caminhões, para estacionar em uma garagem do Senado, pois o SNI (Serviço Nacional de Informações) poderia descobrir. O jeito, era contar com a sorte”.
Providenciado o caminhão, o próximo passo de Pessek foi comprar uma cadeira confortável, que acomodaria Tancredo Neves na carroceria do veículo. Saindo do estacionamento e ganhando a via N-2 Norte, o motorista deveria atingir a pista do Setor de Clubes Sul e chegar até a rodovia que liga Brasília à cidade mineira de Unaí. “A estrada tem um grandioso trecho totalmente reto. Haveria gente fechando-o, em cada cabeceira, e se comunicando conosco e entre eles, por rádio. Naquele espaço, o deputado Jorge Vargas pousaria com o monomotor, abriríamos a carroceria do caminhão e o Tancredo entraria no avião”, relata Pessek.
Se tudo aquilo que estava previsto, realmente, acontecesse, o deputado-piloto Jorge Vargas pousaria com Tancredo Neves, em Uberaba, no Triângulo Mineiro, onde um oficial da PM, extremamente fiel ao governador de Minas Gerais, Hélio Garcia, esconderia o presidente eleito em um quartel.
Ao mesmo tempo em que Jorge Vargas fechara os detalhes com o oficial – este não permite a revelação de sua identidade –, ele negociara, também, com um representante da Vasp (companhia aérea que não voa mais) levar Tancredo Neves, direto, parta Porto Alegre. Na capital gaúcha, ele ficaria escondido, sob a proteção do general Leônidas Pires Gonçalves, que já se manifestara contrário a qualquer tentativa de se mudar as regras do processo presidencial sucessório.
Poucos dias perto da posse do presidente-eleito, na última vez que o coronel Kurt Pessek enconontrou-se com ele, Tancredo Neves demonstrou confiança no seu plano de fuga e disse-lhe: ”Eu sei que você resolve”. Segundo Pessek, o vice-presidente eleito, José Sarney, não deixava de suspeitar do general Newton Cruz, embora Tancredo passasse a confiança de que assumiria o governo, sem problemas. “As minhas últimas palavras para ele (Tancredo) foram, no popular: Se pelar a coruja, se prepare que nós vamos nos espirulitar”, brinquei.
SOSSEGA COMANDANTE – O coronel Kurt Pessek afirma que uma das figuras mais importantes para a sucessão do presidente João Figueiredo ocorrer pacificamente jamais chegou a ganhar o reconhecimento nacional: o ministro do Exército, general Walter Pres Gonçalves. “O doutor Tancredo mostrava-se confiante, não passava a imagem de pessimista. Só pensava positivo. Mas confidenciou ao general Walter das suas preocupações com os arroubos do Newton Cruz”, entrega Pessek.
Pelo que narra o coronel Kurt Pessek, pode ter sido naquele instante que a história política brasileira não encompridou um regime que já durava 21 anos. “Se o Nini imaginar tentar alguma coisa, eu o anulo. Fique tranqüilo, que ele não vai fazer nada. Eu sou o seu chefe e garanto que ele não fará nenhuma besteira”, prometeu Walter Pires a Tancredo Neves.
Depois daquela conversa, o Nini amansou-se. Mas nada do que se temia ou se planejou ocorreu. No dia 14 de março de 1985, quando assistia a uma missa em ação de graças, na igreja de Dom Bosco, aqui em Brasília, o presidente eleito, Tancredo Neves, sentiu-se mal, não assumiu o poder e o seu plano de fuga ficou guardado.
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