Tratadores são reconhecidos pelas feras, que viram “pessoas da família”
Regis garantiu à esposa, com quem vivia há três anos, que ele jamais viraria comida de leão. Jurou não haver perigo em alimentar os mais temíveis animais do planeta, e até levou-a a conhecer a segurança do seu novo ambiente de trabalho. Mesmo assim, a mulher ficou preocupada. Porém, tinha Daniel, seu filho, de três anos, para sustentar, e não dava para ficar escolhendo empregos. Afinal, a vida deles sempre fora difícil
Regis Adriano Alves Rosenda gostava de sentir a sua adrenalina subindo, mas não disfarçava o nervosismo, no primeiro dia em que deveria encostar a mão na boca dos leões. Sentiu um frio na espinha, caminhando apreensivo e empurrando um carrinho de mão, com 10 quilos de carne. Passou por dois grandes espelhos orientadores e quatro portas de ferro intransponíveis, alavancadas e ainda com cadeados. Ouvia, preocupado, o fortíssimo urro dos animais famintos, que lhe devorariam, ao mínimo descuido. A sua promessa à esposa dependia da fortaleza da última grade de ferro que o separaria da cova dos leões.
Foram momentos de grande apreensão. Regis só sentiu-se aliviado quando deixou o compartimento subterrâneo, de quatro ambientes, e, novamente, viu-se ao ar livre, mas com os ouvidos insistindo em preservar uma contínua sensação de explosão dos gritos das feras.
O novo tratador de leões encerrou o seu primeiro dia de trabalho naquela difícil função com uma história pronta para contar em casa. Cansado , dormiu cedo. E agitava-se na cama, para espanto da companheira, que nunca o vira assim. Regis sonhava com Daniel entrando na cova dos leões, que urravam e marchavam para atacar a criança. De repente, deu um pulo da cama e correu para o quarto do filho, que dormia tranqüilo. “Felizmente, foi só um sonho”, comemora o tratador.
CAFUNÉ NO LEÃO - Enquanto um novato viveu um pesadelo, por causa dos leões, no início do ofício, o experiente Antônio Paulo, o Tonho, 45 anos de vida e 27 como tratador, vivenciou uma aventura marcante: ser uma espécie de mãe de um leão rejeitado. “Até os dois anos, eu lhe dava mamadeiras, mantendo contato físico. Como o rapaz foi colocado para viver junto com uma onça pintada, terminou se apegando demais a ela e entrou em melancolia profunda, quando houve a separação. Chorava de saudade. Então, eu o acariciava, fazia-lhe cafuné, conversava com ele e saía da jaula comovido”, conta o hoje coordenador dos tratadores.
Tonho é casado e tem filhos, mas diz que os leões também são parte de sua família. “Com tanto tempo de contato diário, sinto saudades deles, quando saio de férias. Hoje, não tenho medo, vou ao seu habitat tranqüilo, ao contrário do inicio, quando eu sentia um impacto emocional, por ver um animal tão grande, forte e tão perto de mim. Qualquer descuido seria fatal. Era, e ainda é, preciso muito cuidado, atenção”, alerta.
Robson Almeida de Sousa, 26 anos, também jura não ter mais medo dos leões, com dois anos no trato deles. “Basta seguir todas as recomendações de segurança”, ensina ele, seguindo o coração do Tonho. “Nos primeiros dias, fiquei com muito medo, mas hoje tenho amor pelos leões”, propaga, lembrando que seu primeiro contato físico com os anmais foi durante uma pesagem. “Os veterinários o sedaram e o levamos, dormindo. Mesmo assim, ainda fiquei com muito medo, era novo no ofício”.
DUDU E FAFÁ - O zoológico de Brasília só tem um casal de leões. O macho, de 12 anos, chama-se Dudu, pesa 170 quilos e ganhou este nome devido ao apelido de um veterinário que levava as mamadeiras que o Tonho alimentava o então “gatinho”. Foi o próprio tratador o autor da brincadeira. “Também, apelidei a leoa, de Fafá, pois sou fã da Fafá de Belém, e a minha “menina” era muito gordinha, cheínha. Os dois foram registrados como estes apelidos”, comemora Tonho.
Fafá tem 11 anos, pesa 140 quilos, e, assim como Dudu, é também brasiliense, nascida em cativeiro e rejeitada pela mãe, Lana, já velha e saida da última barrigada. “Ela foi adotada por uma leoa chamada Elza e, já grandona, conviveu pacificamente com a mãe biológica”, lembra Antônio Paulo.
De acordo com a coordenadora de mamíferos do zôo candango, a veterinária Clariana Gelinski, de 27 anos e há dois anos e meio na casa, um leão bem assistido, vive cerca de 30 anos em cativeiro. No caso candango, Dudu e Fafá são alimentados a cada 48 horas, com o cardápio preparado por uma zootecnista. “Eles têm uma ficha de acompanhamento, informando origem e passam, regularmente, por processos veterinários obrigatórios, como biometria, vacinação, vermifugação, que pode ocorrer, também, pela alimentação, e monitoramento bucal, inclusive com a retirada de tártaros e tratamento de canais dentários. Em todos esses casos são sedados, também para procedimentos emergenciais, quando sentem-se mal”, explica Clariana.
Para anestesiar um leão, revela a coordenadora de mamíferos, usa-se uma pistola de dardos e um sistema de contenção manual, que é atraí-lo, com carne, para a jaula. Ali, ele é pressionado nas grades e recebe a injeções ou, também, vacinas sem anestesia. Nesses casos, só os veterinários agem.
ROTINA - São os tratadores que, normalmente, bolam a ambientação da cova dos leões. Dão uma de paisagistas, também. Já a alimentação é sempre às 17h, quando o zôo se fecha ao público. Então, abrem,-se as chamadas “portas de cambiamento”, presas por cabos de aço. “Depois de encherem a pança, os bichos dormem. No dia seguinte, nós higienizamos o recinto, a partir das 7,30h, e só depois o liberamos para a arena”, explica Regis Rosenda. “Sabem o dia certo da alimentação, estão condicionados. Quando vai chegando a hora, ficam agitados”, acrescenta Tonho.
Segundo Clariana Gelinski, a atenção dos tratadores no trabalho é fundamental para os veterinários garantirem a saúde dos leões. “E a nossa rapaziada capricha mesmo. Está atenta se as feras estão comendo direitinho, se estão quietinhas, tristes, etc. É este entrosamento o responsável pela felicidade do animal”, resume.
Robson, todavia, diz que há uma razão profunda para ajudar o leão a ser feliz: “Nós já gostamos tanto deles que, nas folgas, muitas vezes, vamos ao zôo matar a saudade. Quando nos vêem, ele nos reconhecem. Senti isso fortemente, em um domingo, quando levei a minha filha, Laisla, de cinco anos, para conhecer o Dudu e a Fafá. Eles ficavam de olho em mim, mesmo com tanta gente curtindo sua curiosidade e tirando fotos. Incrível, mas me reconheceram”, jura
Os tratadores têm horror às pessoas afoitas. “Há figuras que perguntam se o bicho é feroz, se não dá para tirar uma foto junto da boca dele. Imagine! É muita desinformação, parecem as crianças que querem pegar no animal”, critica Regis.
Para compensar as bolas foras dos desinformados, os tratadores sentem-se recompensado com a admiração da garotada com Dudu e Fafá. “A criançada está sempre perguntando porque o leão não tem rabo”, acha graça Robson, que, no seu primeiro dia de trabalho, também, sentiu “um frio na espinha”.
Robson não esconde. De tanto os seus amigos perguntarem se o leão é estressado, numa noite, ele sonhou com as feras soltas, do lado de fora da arena. Mas o sonho terminava bem. “Eu andava com eles de volta à sua cova”, relembra o tratador, que vibra quando chama e o leão urrra. “É uma prova de que nos conhece”, gaba-se ele, que já colocou a mão dentro do bocão do bicho, quando ele estava sedado para fazer um tratamento dentário.
REQUSITOS - Para ser um tratador de leão, ficar cara-a-cara com a fera, são necessários três “nãos” básicos. “Não usar drogas, não consumir bebidas alcoólicas e não ter problemas familiares”, exige Antônio Paulo, que recruta e ensina à galera, com o know how de quem já fez vários cursos, inclusive fora do DF. Por ora, nenhuma mulher já pintou na área, mas o Tonho garante que não há preconceito, mas absoluta “falta de candidatas”, defende-se.
Os tratadores do zôo de Brasília não se arriscam em avaliar se mulher tem medo de leão. Pelo menos, ariana, entrou conosco na jaula, evidentemente, na parte de contenção. “Eu não sou tratadora, mas convivo com os leões, e isso deixou a minha mãe e os meus irmãos preocupados. Vieram ao zoológico ver a situação”, entrega.
A coordenadora de mamíferos do zôo brasilense considera este mercado “bastante diferenciado” para a mulher. “É diferente para o veterinário acostumado a trabalhar com gato, cachorro, etc, pois o leão assusta, pela sua proporção”. Mas ela se declara: “Como não tenho namorado, o leão mora no meu coração” – só que o trai, morando com um cão maltez.
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