quinta-feira, 10 de maio de 2012

MEIO –SÉCULO DE GRANDE SERTÃO

Em maio de 1956, Guimarães Rosa inaugurava um novo ciclo na  literatura brasileira

 Sujeito estranho, aquele. Não gostava de falar de sua vida para os moços que escreviam no jornal, e no entanto vivia rabiscando tudo o que o sertanejo sapecava nos seus oritimbós. Enchia dezenas de cadernetas com o palavreado daquela gente do mato. E não podia ver uma cozinheira labutando numa receita diferente, que caía em cima da fumaça do fogão de lenha. Onde já se viu um doutor das letras, homem estudado na cidade grande, se metendo pelo sertão a dentro, no lombo de uma mula, acompanhando boiada e assuntando conversa de vaqueiro! Ainda mais de Manuelão, um sujeito que só sabia laçar garrote e burro bravo, e nunca passou meia légua sequer perto de uma professora. De espantar mesmo! Só que, do encontro e o espanto do sertanejo com aquele sujeito, digamos, meio esquisito, que gostava de escrever em pé, iria resultar no maior acontecimento da literatura brasileira do Século 20.
  O sujeito em questão chamava-se João Guimarães Rosa, o rebento mais velho dos seis filhos do comerciante Floduardo e de Dona Chica Rosa, e neto de uma outra Chica, uma velha tão fuxiquenta, que terminou virando personagem de livro do neto. Pois bom! No dia seis de maio de 1956, o então garoto Joãozito, que vivia atropelando os caixeiros-viajantes que apareciam por Cordisburgo, pedindo livros e revistas emprestados, laçaria “Grande Sertão: Veredas”, hoje completando meio século como marco divisor das letras nacionais. Se, até então, o que encantava os nossos leitores era o romantismo de José de Alencar e o lirismo de Machado de Assis, principalmente, a partir daquele maio, surgia o realismo de Guimarães Rosa, salpicado de neologismos criados a partir da fala arcaica do mineirinho roceiro, com as invencionices de um autor que adorava manusear o vocabulário das 11 línguas estrangeiras que dominava.
 Errou feio Seu Floduardo, quando não via futuro nenhum no fato de Joãozito preferir assuntar mais as revistas do que lhe ajudar na venda. Pena que, passados 50 anos de vida de “Grande Sertão: Veredas”, ainda não tenhamos uma biografia do maior escritor brasileiro do século passado. Ficamos no terreno das reportagens e das muitas histórias contadas sobre suas esquisitices pelos amigos Fernando Sabino e Otto Lara Resende, mineiros como o Rosa e que, agora, se reúnem para “molecar” no Céu. Aliás, por falar nas coisas  “lá de cima”, a religião era um fato marcante e contraditório na vida de Guimarães Rosa, homem temente a Deus, mas que não se sentia impedido de promover um pacto com o diabo, no caso do personagem central de “Grande Sertão: Veredas”, o jagunço RiobaldoTartarana, que recorre ao  “”mafarro” pra ter o corpo fechado.a balas e facadas.         
Porquê não pedir proteção a Deus? Um escândalo que Dona Chica Rosa jamais imaginaria enquanto gastava as contas dos terços que rezava na matriz de Cordisburgo. Ela não tinha notícia e não ensinara a nenhum dos filhos que um jagunço podia se apaixonar por outro, como Riobaldo caíra de amores por Diadorim, na verdade uma vaqueira andrógina. Onde Joãozito aprendera aquelas sem-vergonhices? Dona Chica lhe daria umas boas palmadas pra não ficar escrevendo o que não presta por aí. Calma, Dona Chica! O garoto que a senhora ensinou a rezar não entrava só na igrejinha cristã de Cordisburgo, não. Escrevia também iluminado pelo que admirava no zen-budismo, no taoísmo, no judaísmo, no hinduísmo, e até descia ao inferno com Dante Alighieri, o “o divino comediante”.  Por isso, o Rosa levou para a literatura brasileira o grande debate  sobre a ligação do homem com o “azarape”.       
  O aniversariante “Grande Sertão: Veredas” representa para a litratura brasileira o que “Ulisses”, a obra prima do irlandês James Joyce, marca na literatura mundial e eleito o livro número 1 do século passado. São parentes em recursos de linguagem. Antes do Rosa, o homem do sertão, dificilmente, botava vocubulário nas páginas. Quem saberia o que seria  “nonada ou gimaria?” (não é nada e Virgem Maria). Grande Rosa. Dizia que, quando precisava saber das coisas, não indagava nada na cidade. Achava melhor se ilustrar com o homem do sertão, um filósofo por natureza, que nunca ouvira falar de Sócrates e nem da Grécia, mas tinha a certeza de que pouca coisa sabia, e desconfiava de muitas outras.
ROSA, O HOMEM – Guimarães Rosa nasceu em 27 de julho de 1908, em Cordisburgo-MG. Com 16 anos de idade, entra para a Faculdade de Medicina de Minas Gerais, mas descobre a sua grande vocação em 1929, escrevendo contos para a revista “O Cruzeiro”. Um ano depois, casa-se com Lígia Cabral Pena e se torna pai de Vilma e Agnes. Em 1932, se torna amigo de Juscelino Kubitcheck, quando serviam às tropas mineiras como médicos durante a Revolução Constitucionalista  Encerrada a crise política conta o presidente Getúlio Vargas, Rosa presta concurso e entra para o Ministério das Relações Exteriores, em 1934.
 Em 1936, Guimarães Rosa receberia o seu primeiro prêmio literário, lhe concedido pela Academia Brasileira de Letras, para os seus poemas reunidos sob o título de “Magma”. No ano seguinte, reúne vários contos e os transforma no livro “Sagarana”, que só seria lançado nove anos depois. Em 1938, era cônsul-adjunto do Brasil na alemã Hamburgo e se casa pela segunda vez, com Aracy Moebius.
Com a eclosão da II Guerra Mundial, em 1942, Guimarães passa quatro meses preso na Alemanha. Quando é libertado, vai servir na embaixada brasileira em Bogotá, na Colômbia. Em 1947, desbrava o pantanal mato-grossense e escreve o livro-reportagem “Com o Vaqueiro Mariano”.
 Em 1951, Rosa deixa os serviços diplomáticos no exterior e retorna ao Brasil. Em 52, viaja 240 km acompanhando vaqueiros que conduziam boiadas pelo sertão mineiro. É quando levanta o material para produzir “Grande Sertão: Veredas”. Mas, antes de lançá-lo, em janeiro de 1956, publica “Corpo de Baile”. Em 61, ganha o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, onde tenta entrar, em 57, mas é derrotado por Afonso Arinos. Só consegue este intento, em 8 de agosto de 62. No entanto, atrasa a posse por cinco anos, por achar que o fardão marcaria o fim de sua vida. E acerta na previsão, em 16 de novembro de 1967, três dias depois de se tornar um imortal.       

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