quinta-feira, 10 de maio de 2012

HEROIS DA RESISTÊNCIA


 A vida pode estar difícil, seja  como for, que eles a encaram, faça sol ou chuva. Sabedores de que não teem estudos para irem  mais longe, se viram com atividades que caminham para a extinção  nos chamados serviços a domicílio. São os casos do amolador de metais cortantes, do adestrador de cães e do vencedor de sacos de lixo, só para citar poucos desses profissionais teimosos. Confira como eles se viram. 
A vida andava pra lá de dura, no sertão da Bahia, para Seu José Ramos da Silva. Serviço, que era bom, pouco aparecia, ainda mais para ele, que só estudara até a quarta série do antigo ensino primário. Um dia, Seu José acordou “aperreado”, por andar sempre com os bolsos vazios, e resolveu fazer as malas. Estava decidido a tentar melhor sorte em Brasília, para onde iam a maioria dos seus amigos desempregados no município baiano de Bom Jesus da Lapa.
 Seu José pensou muito, arrumou um dinheirinho, comprou a passagem e veio sonhar com vida melhor, na capital do País. Quer dizer: na periferia da cidade, onde contava com a ajuda de alguns parentes que já se achavam instalados no Pedregal. Pergunta daqui, pergunta dali, Seu José viu que, por aqui, também, a vida não estava fácil, “diferente do que eu pegava no rádio”, compara.
Como os dias passavam e nada de um emprego aparecer, Seu José teve a idéia de “assuntar” o que os cunhados faziam e decidiu cair na mesma vida. Era a sua única saída, se não quisesse voltar para o interior da Bahia. Pouco tempo depois, ele já era um bom amolador de tesouras, facas, facões e o que mais tivesse uma superfície cortante. O próximo passo era ter a sua “máquina”, coma qual sairia pelas ruas, ganhando seu dinheirinho, como faziam dois cunhados no Pedregal, um no Riacho Fundo e um outro pelos lados do Núcleo Bandeirante.
 Seu José Ramos da Silva deixa o Pedragal, todos os dias, às 8h, apanha dois coletivos e sai catando serviços pelo Lago Norte. Gasta R$ 10,40 no seu trajeto diário e mais R$ 4 para “comer uma quentinha” na Rodoviária do Plano Piloto, o que lhe consome cerca de R$ 300 mensais. “Tem que ralar, né. Sujeito sem estudo, como eu, se vira assim”, aceita ele a sorte que lhe fez passar longe dos bancos escolares, na adolescência.
 Solteiro, o amolador baiano tem dois filhos que não moram com ele. Se tivesse mais aquelas boca pra alimentar, nem sabe como seria, pois os cerca de R$ 600 mensais que ele tira, certamente, não dariam para tanto. Seu José diz já ter uma boa clientela no Lago Norte, onde já fez muitos amigos. “Chego na região, sempre, por volta das 11h, e ando pelas quadras empurrando a minha máquina e tocando a minha gaita. Volto pra casa entre 15h30 e 17h, a depender das quantidade de serviço que arrumo”, conta ele, que está no ofício desde 1986.
 Nos últimos 23 anos, Seu José só viveu uma vida de amolações. E não reclama. Admite, realista: ”Não tenho estudo pra arrumar coisa melhor”. Há seis anos anunciando a sua presença pelo som de uma instrumento musical, este baiano, de 43 anos, mesmo ralando, não perde o bom humor. Avisa aos seus ouvintes: “Gaita, mesmo, eu não sei tocar. Só faço zuada”. Mas dá uma garantia à clientela: “O que tiver corte, tudo eu amolo”.
Com outro baiano, Oséas Ferreira Ribeiro, de 31 anos, chegado da cidade de Wanderley, na região de influência de Barreiras, a labuta não é menor. Casado, pai de um rebento, ele está em Brasília desde 1997, mas só há seis amolando metais “Aprendi com o meu padrasto. Não achei difícil. A gente vai indo, levando, olhando fazer e aprendendo”, destrincha.
 Oséas é o único concorrente do seu conterrâneo José  Ramos, no Lago Norte. Ele elogia a clientela. “Aqui, o pessoal tratar melhor a gente, respeita o trabalhador. É melhor do nas Asas Sul e Norte, por onde já passei”, garante ele, que mudou de endereço “porque o serviço rareou muito no Plano Piloto”, jura.
Assim como Seu José, Oséa sai procurando serviços, tocando gaita e empurrando um carrinho metalar pelas quadras laguenses. Seus serviços miúdos  teem preços compatíveis com os do concorrente, isto é, R$ 4 por peça. Facão, que é mais duro, bem como tesoura de jardim, custam um pouco mais: R$ 6. 
 Enquanto Seu José é mais sisudo, Oséas já é mais conversador, gosta de prosear com quem serve. Talvez, esteja aí o segredo de um melhor faturamento. “Tiro entre R$ 1.500 a R$ 2.000 mensais”, faz um balanço, deixando implícito que simpatia pode render freguesia. Ele só não sabe se o seu charme renderia tanto nas cidades-satélite. No entanto, constatou: “Por ali, o pessoal  não dá muita importância pra gente, não”.
 O sonho de Oséas é arrumar um ponto fixo, numa comercial, para trabalhar. Assim, acha que teria rendimento suficiente para gastar R$ 40, sempre que o seu esmeril pedir reposição.  Ele mesmo monta a sua máquina, que a carrega nos quatro ônibus que pega, diariamente, a partir da  8h, e lhe consomem gastos acima de R$ 10. Por volta das 20h, está de volta pra casa, com uma certeza:“O pessoal gosta da gaitinha, Sem ela não faço nada”.
CACHORRADA - Enquanto Seu José e Oséas amolam, Ismael Siqueira Cavalcante, de 28 anos, “trabalha pra cachorro”, literalmente. Há oito anos, sua vida resume-se a sair de casa, em São Sebastião, e educar cães terríveis. “Já tive o caso de um cachorro da raça Fila, de três anos, que foi uma parada. O bicho só obedecia à madame. Só ela conseguia botar a mão nele. Mas o serviço saiu, depois que a dona o coolocou na coleira” conta.
 Casado, pai de uma filha, Ismael ganhou fama de “professor competente”. Por isso, seus clientes do Lago Norte e do Condomínio RK – nas proximidades –, já o indicaram para amigos do Park Way, Aguasl Claras e do Lago Sul. A sua fórmula para ganhar a simpatia do cliente é simples: “Fazer o dono do cão participar do adestramento”, revela, acrescentando que a maioria da sua clientela é mulher.    
 Os “alunos” de Ismael já sabem quando ele chega para as aulas: pelo ronco do motor de sua moto. “Na QI-7 do lago Norte, tive um aluno, de ste meses, chamado de Negão, que sacava logo quando eu me aproximava. Ficava impaciente para sair comigo”, cita um caso, passando uma dica aos futuros adestrtadoers:  “É preciso fazer amizade com o cão. Depois disso, o trabalho fica mais fácil”.
 Na família de Ismael, entre tios e primos, 15 pessoas são do seu ramo. Atualmente, ele serve a dez clientes, entre 7h20 e 15h, cobrando R$ 250 mensais, por três aulas semanais, de uma hora de duração. Ele chega a contar R$ 3 mil, todo fim de mês, e considera este um dinheiro “difícil pra cachorro”. Afinal, se “morde” a grana do cliente, de um lado, do outro, há a mordida pode ser mais pesada.
UM SACO - Se tem um sujeito para quem a vida” é um saco”, com certeza, este é José Edvaldo Silva de Oliveira, ou, para a freguesia, Seu Zé do Saco. Aos 53 anos, ele criou os seis filhos vendendo sacos de lixo, na porta de um supermercado do Lago Norte, desde 1991, quando chegou ao DF, vindo da cidade baiana de Capim Grosso. “Sempre vivi assim. Fui o primerio a sair vendendo sacos de lixo por aqui, na península. Hoje, nem respeitado sou. Já fui agredido por concorrentes. Fomos parar na polícia”, enjuria-se ele, que já tem dez netos.
 Seu Zé do Saco mora no Varjão e já conseguiu comprar uma Pampa para trabalhar. Ele adquire, mensalmente, um lote de 100 mil sacos e diz que não tira mais do que R$ 1 mil. “Antigamente, eu fazia até R$ 2,5 mil, por mês, quando era eu sozinho no ponto. Por causa da agresão que sofreu, ele passou a carregar, na carroceria do seu carro, rodos vasouras, vassourões e espanadores, para diversificar o negócio e “evitar confusões”.
  A “sacação” de Seu Zé do Saco começou com a compra de cinco pacotes de 100 sacos de lixo, nos tempos da URV (Unidade Referencial de Valor), que marcou a transição do períoo de alta inflação, em 1994, para o Plano Real.  Ele vende um pacote, com 100 unidades, a R$ 10, pagando, na origem, R$ 17 por tudo. Como tem fregueses cativos e novos amigos, ele distribui cartões e atende a domicílio. Basta ligar. “Enquanto não jogarem o vei no lixo, estamos aí”, brinca Seu Zé do Saco, para quem, a vida é, realmente, um saco.
Serviço - O adestador Ismael atende pelos telefones: 3339-2123, 9144-3175 e 9908-9647. O vendedor de sacos de lixo Zé do Saco pode ser chamado pelo número   

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