quinta-feira, 10 de maio de 2012

QUATRO DIAS DE EMOÇÃO E DE FOLIA


Do Oiapoque ao Chuí, o Brasil canta e dança durante no maior espetáculo da terra

E está rolando a festa. De hoje até quarta-feira, brasileiros de todas as idades — do Oiapoque ao Chuí — caem na folia e se esbaldam até o corpo mandar parar. Afinal, temos um espírito festivo, bem o percebeu Pero Vaz de Caminha, sujeito de família de muito boa cepa e escrivão da nau do capitão Pedro Álvares Cabral.
 Se o carnaval termina na quarta-feira, foi numa quarta que o Brasil começou —  22 de abril  de 1500 — pra toda esta festa rolar. Segundo Caminha, os nativos que os portugueses por aqui encontraram, dançavam e folgavam, “e faziam-no muito bem” — constatação de um domingo de Páscoa — e se animavam muito mais quando um gaiteiro, levado na comitiva de Cabral por Diego Dias, soltava o som pra rapaziada folgar e sorrir — “... andavam com ele muito bem, ao som da gaita”, relata Caminha sobre o que poderia já ser um gen atávico do Carnaval.
 Rigorosamente, para se chegar até a festa momesca de hoje, o país tropical fez um estágio no entrudo, perto do fim do Século XVIII. Em vez de mascarados venezianos, danças, marchinhas e sambas, havia batalhas com tintas, papéis, água, frutas, o que pintasse. Mas tudo na mais santa paz de deus, nos salões de casa, o entrudo familiar. Mas havia também a versão rua, praticada pelo povão de baixa renda e os escravos, que já apelavam para a grosseria, a violência, motivos da entrada em ação da polícia, em 1830, e da nossa primeira “globalização”. Isso mesmo! Importamos os passeios de mascarados e os bailes parisienses.
 Historiadores costumam lavrar a certidão de nascimento do Carnaval a partir de festas homenageando os deuses egípcios Ísis e Osíris, e também de celebrações e bacanais romanos. Talvez, esta seja a versão mais próxima do real, pois Roma promovia a Saturnália, quando uma multidão de mascarados pipocava em volta de um carro com o formato de um navio, se divertindo como quisesse. O tal carro gerou a palavra “carrum navalis” que disputa com “carne vale”, o adeus do corpo humano às alegrias profanas que antecediam ao baixo astral da quaresma.
 O carro naval romano, provocador ancestral das pipocas dos trios elétricos baianos, rodou até um período histórico conhecido por “renascimento”, quando a Europa queria reviver os seus melhores dias nas artes, nas letras, enfim, na cultura geral. Foi por aquela época que Cabral partiu de Portugal, carregando intuições de Vasco da Gama, para vir bater, “por inteiro acaso”, na Bahia, onde o poeta Castro Alves percebeu que a praça carnavalesca é do povo, “como o céu é do condor”. Naquele tempo em que o capitão luso navegava, os foliões começaram a usar fantasias e carros alegóricos, principalmente na Itália, na França e na Espanha, abrindo caminho para os impressionantes veículos que as escolas de samba do Rio de Janeiro levam hoje para a avenida. Mas o Rio é o Rio. Foi lá, no final do Século XIX, que o brasileiro começou a botar o bloco na rua — bem como os cordões e os ranchos —, e surgiram as musiquinhs  carnavalescas. A primeira delas,  datada de 1899, foi “Ô abre alas”, composta por Chiquinha Gonzaga, para o cordão Rosas de Ouro.    
  Enquanto Olinda, do lado de Recife, esquenta seu Carnaval com imensos bonecões e Salvador deixa a galera eletrizante nas ruas, o Rio de Janeiro vai em outra cadência. As suas escolas de sambas oferecem o que se chama de “o maior espetáculo da Terra”. Tudo começou em 1933, mas só em 1959 passou a ficar parecido com o que vemos hoje. Naquele ano, o Salgueiros lançou carros alegóricos mais ligados no tempo vivido e a Mocidade Independente de Padre Miguel, do Mestre André, lançou a pardinha que transformou em “ nota 10” a bateria da escola.             
 Em 1964, eram os diretores de harmonia os bambas do samba, casos de Natal da Portela, Mestre Fuleiro, do Império Serrano e Xangô da Mangueira, entre outros. Em 69, surgiam Rosa Magalhães, Arlindo Rodrigues e Maria Augusta e Joãozinho trinta, carnavalesco que ditariam novos rumos dos desfiles no futuro. O último deles, por sinal, inova os destaques dos carros alegóricos do Salgueiros e deixa a escola campeã do ano.
 Em 1982, o Império Serrano, de Rosa Magalhães e Maria Augusta, encantam o País cantando “Bum bum paticumbum pruigurudun” e critica o luxo das grandes escolas. A Mangueira responde, em 84, quando os desfiles inauguram o sambódromo” da Avenida Sapucaí. A escola leva o público ao delírio com um enredo homenageando o compositor Braguinha. O mesmo faz Joãozinho Trinta, em 89, com o enredo “Ratos e urubus, rasguem a minha fantasia”. Era o contraste entre o luxo e a pobreza, a mostra de um Cristo esfarrapado e censurado pela Igreja Católica. Mas a Vila Isabel mostrava, em 88, com “ Kizomba” , que nem  sempre o luxo era sinônimo de vitória.
 Em 1994, já era a vez dos desfiles de resultados. A Imperatriz Leopldinense faz evoluções tecnicamente perfeitas, mas não emociona a ninguém, a não ser os jurados. Em 2001, Joãozinho Trinta volta a emocionar, com a Grande Rio, colcoando um homem voador sobre o público. Por fim, a última grande emoção deste novo século ficou por conta do carnavalesco Paulo Barros, da Unidos da Tijuca, levando para a avenida uma pirâmide humana e um carro com alegorias que tentavam sobrepujar o valor humano ao tecnológico – e assim tem rolado a grande festa.         

MÚSICA E TEATRO PARA A GAROTADA

Bar da 115 norte surpreende e encanta com um irreverente teatrinho de bonecos  
No verão, passar as férias na praia é o programa predileto da garotada brasiliense. Quem não está pegando essa onda agora, porém, vem encontrando uma diversão surpreendente: um teatro de bonecos que funciona num bar - o Café Musical - da 115 norte. O projeto é do maestro Robespierre Simões, que escreveu quatro historinhas, musicou-as e agora dá vida aos personagens com a colaboração de dois outros narradores, Erika e Daniel. As sessões ocorrem sempre aos sábados, a partir das 17 h. "Às vezes, temos de fazer duas sessões seguidas, porque a garotada gostou e chama os amigos prá conferir", conta Robespierre, que já trabalhou na Europa como arranjador musical. A primeira história que o projeto apresenta é sobre uma bruxa que quer ser linda e rouba a beleze de uma garota, ajudada pro um lobo. No final, o beijo de um sapo-artista desmascara a maligna. "As crianças ficam muito apreensivas com as maldades do animal, mas vibram quando o bem vence", conta o autor, que construiu  a segunda história em cima da fábula do chapeuzinho vermelho. "Nesse caso, o lobo mau só quer comer o que está na cesta de alimentos preparados pela Vovó. O lobo pensa que é doce, mas não é.Como a vovó é surda, entende tudo errado; quando o lobo fala ela acha que é um palavrão. No final das contas, a vovó entende que o lobo a está pedindo em casamento e sai correndo atrás dele. "Aí a garotada ri a valer", revela. A terceira história chama-se As aventuras de Bob Dog, um cachorro que trava um duelo musical com um sapo personagem do Muppet Show (Programa de TV). O sapo malandrinho tinha 23 CDs gravados, mas só enganava. Colocava o disco para tocar e fingia cantar, ao passo que o Bob Dog sapecava seu som ao vivo. Até que um dia o CD do sapo não funciona. "Nesse momento, a garotada faz uma balbúrdia, vaiando o sapo e aplaudindo o cão", comemora Simões, cuja historinha final é sobre ladrões que passam apuros com o fantasma de um sujeito que tomou todas as cachaças e, ao deixar esta vida, não foi aceito no céu nem no inferno. O maestro Robespierre Simões já fez arranjos para Oswaldo Montenegro e Paulinho Pedrazul, entre outros. Já regeu o coral do Banco Central e produziu discos de várias bandas pop. Segundo ele, esta verve pelo teatro de bonecos está nele desde quando era adolescente e conheceu a Vila Sésamo e o Muppet Show. Hoje, aos 45 anos, pesquisou teatro de mamulengos pelo DF afora e construiu os personagens à semelhança de muitos tipos que viu pelas ruas. Cada criança paga R$ 3,00 para assistir ao teatro de bonecos do bar CAFÉ MUSICAL, que tem planos de colocar tudo isso em um CD-ROM, com efeitos especiais e a trilha sonora masterizada.  
Publicada no Jornal de Brasília de 21 de janeiro de 2006

GÊNIOS INDOMÁVEIS

 Eles encantaram o mundo com feitos brilhantes, mas também amalucaram o planeta

  Há pessoas que cruzam pelas nossas fronteiras informativas carregando a admirabilidade de valores que transcendem para as substâncias da eternidade. Muitas delas, no entanto, portam também em suas cadeias genéticas comportamentos que contracenam com outros completamente indomáveis,  incopreensíveis ou, no mínímo discutíveis, a julgar pela genialidade que os transformaram em lendas.
 Para não irmos muito longe, vamos dar uma paradinha no século passado, quando viveu o russo naturlizado norte-americano Isaac Asimov, doutor em bioquímica. Mestre na ficção científica, ele já projetava um mundo repleto de robôs na década de 1930, quando a palavra nem constava nos dicionários. Em 1950, se antecipou 13 anos no tempo e descreveu o que seria um passeio espcial. E aconteceu exatamente como ele imaginara. Da mesma forma como previu a invasão de nossas vidas pelos computadores. Agora, entenda esse cérebro. Mesmo antevendo o homem dinte de um computador, quando esse tempo chegou Asiov execrou a tal jeringonça do futuro e só usva a velha máquina de datilografia, para espanto dos amigos. E tinha uma explicação esquisita:  “Faço na ficção o que näo faço fora dela”, dizia. E pior: embora projetasse passeios espaciais,  saía no tapa se alguém tentasse embarcá-lo em um avião. Afinal, o que pensar sobre quem vivia nas alturas e jamais visitou o terraço do apartamento onde morava, em Nova York, só porque ficava no 33º andar? Asimov viveu assim por 79.
 Meio complicado assim também como Isaac Asiomov era outro gênio da ficção científica, o nort-americano Lafyette Ronald Hubbard (1911/1986), apontado pelo Guiness Book, como o autor mais trauzido do planeta. Visto visto como uma escla entre Asimov e o francês Júlio Verne, foi condecorado como herói da Segunda Guerra e, quando não usava o cérebro para maravilhar o mundo com a informação ficcional científica, escrevia histórias de terror ou criava uma religião. Quem deveria lhe pagar um bom copo de vinho seria o físico alemão Albert Einstein.
Se a teoria da relatividade (sobre a dilatação do tempo) hoje é consideada a principal do Século XX, mas antes fazia seu pai encarar o desdém de sua patota, foi, graças a Hubbard que ela se popularizou. No início da década de 30, o Ron Hubbard que cursava engenhria decidiu ir a fundo na tese do alemão. Dominou toda a complexidade do assunto e,  em  1949 se deu por satisfeito. Lançou  o livro “Rumo às Estrelas”, contribuindo te decisivmente para Eistein mostrar a sua língua.  
 Quem pesquisa a vida de Hubbard espanta-se com as suas excentriciades. Há até quem o classifique de megalomaníaco. Um dos seus filhos chegou a classificá-lo de um perfeito “mala”.  Também, quem o mandou declarar (em 1963) que havia visitado do Céu e que a sua existência física já durava 43 trilhões de anos? Muita relatividade para um corpo só, não?
Esquisito! Então vmos recuar até o final do século  XIX  e bater às portas da casa  de Karl Marx, um filósofo, jornalista e escritor alemão, que viveu 64 anos, a tempo de ser o principal ideólogo do comunismo.  Ôpa! Mas não entre sem tocar a campainha. Da porta pra dentro, Marx era um terror. Enchia a cara da mulher (teve três) de porrada, assombrava os sete filhos e traçava governantas e empregadas, sem nenhum pudor. Pouco! Da porta pra fora, nada de utopias. Rabo de saia que pintasse pela ferente ele socializava na primeira cama disponível.  Mais? Quem quisesse brigar com Marx era chamá-lo para trabalhar. Preferia viver às custas dos amigos, principalmente de Frderich Engels, outro teólogo do comunismo.
 E, já que visitamos o pai de uma variante política que gerou um império protegido por uma cortina de ferro, não custa nada voarmos no tempo para um século adiante e dar uma sacada no que andou fazendo um dos seus “filhotes políticos”, ou seja, aquele que foi considrado o maior filósofo de sua época, o francês Jean Paul Sartre, que viveu 76 anos. Consagradio pelas idéias (também políticas) que legou ao mundo, por intermédio de livror aplaudidíssimos, como “A idade da razão”, “O Muro” e “Questão de Método”, só para citar poucos, Sartre lutou contra Adolf Hitler, servindo ao “aliados” como meteorologista durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1941, Foi preso pelos nazistas, mas escapou e se integrou à “Resistência Francesa”.  Sabem o que ele fez depois da guerra? Passou a defender  causas contra as quais lutara, chegando a declarar que não havia censura na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E ainda defendeu o tirânico regime político chinês de Mao Tse Tung. Resultado: de pop star da filosofia  armou o barraco para virar uma anacronia amparada por pouquísismos intelectuais.          
  Mas, dilapidar reputações, não foi privilégio apenas de Jean-Paul Sartre. Muito antes dele, no longínquo l493, o navegador genovês Cristóvão Colombo já aprontava coisas bem piores. De descobridor da América, terminou na cadeia, levado a ferros para as grades, em Sevilha, pelo interventor Franciscdo Bobadilha, devido a sua desastrosa administração do mundo novo, quando assumiu a teimosa maluquice de achar que tudo o que pisasse seria uma continuação do Oriente descrito dois séulos antes pelo aventureiro veneziano Marco Pólo. Gênio da navegação, intrépido, Colombo encheu o saco dos portugueses, ingleses e franceses, com o seu projeto de levá-lo até as riquezas do comércio das Índias, confiado no cosmógfrafo florentino Paolo Toscanellim, que colocava a Europa e o Extremo Oriente relativmente próximos, via Mar Oceano. Sua sorte foi que, no cartelo espanhol de Fernando de Aragão e de Isabel  de Castela havia muito ciúme dos feitos dos vizinhos de Lisboa. Lhe deram duas caravelas e um nau. Colombo bateu o recorede de permanência no mar, dois meses, e voltou à Espanha coberto de glórias.
 A competência navegatória de Colombo correspondia à sua indomável teimosia. Foi graças ao seu relatório, garantindo a Fernando e a Isabel, de que, dificilmente, haveria mais terras a descobrir num espaço entre 700 a 2.540 km  do arquipélago do Cabo Verde, que a Espanha perdeu o Brasil para Portugal. Bem informado pelos espiões que espalhava pelo mundo a fora, D. João II, rei de Portugal, sacava bem Colombo e sentiu-se ludibriado pelas suas descortas, cujas terras deveriam pertencer a ele, pelo tratado de Alçáçovas/Toledo, de 1479, quando o Papa Alexandre VI, mediados domundo católico, aplicou um golpe nos portugueses. D. João aproveitu-se da garantia dada aos espanhóis pelo genovês e dobrou a Espanha a assianar o Tratado de Tordesilhas, em 1494. Ele já tinha a certeza de que na parte sul do Mar Oceano havia umas terras onde se plantando tudo dá.

PARALELOS SEMELHANTES

                   
 William Faulkner e George Orwel se ofereceram para lutar na guerra, aprontram muito, beberam todas e asinda acharam tempo para serem  brilhantes

  A surpreendente turbulênca psicológica em algum mometo da expansão do caráter, em contraposição a valores que caracterizaram o admirável pendor literária, tem sido um atributo curioso na aproximação analítica de vários escritores, ainda que separdos por distantes linhas temporais. Bons exemplos disso são o norte-americano William Faulkner, ganhador de um Prêmio Nobel de Literatura,  de 1950, e o indiano George Orwell, ou, mais precisamente, Eric Arthur Blair, autor do chocante “1984”, que gerou a temática político-ideológico do espionável-extritamente-controlável, hoje adaptado pelas TVs para o comercial  “big brother”.
 Faulkner, que visita as livrarias brasilienses com o título “Esquete de Nova Orleans”,  em 240 páginas que a José Olympio Editora apresenta seus personagems (mendigos, marujos, jóqueis, vigristas e baderneiros, principalmente), pra começar, nasceu Falkner e jamais explicou como a letra “u” apareceu na grafia do seu nome. Afinal,  ele fora registrado homenageando o avô, cuja  certidão de registro civil tinha uma vogal a menos. Mas isso foi pouco para quem escolheu para morar em um bairro de Novas Orleans onde só rolava o jazz (French Quartier) e o dia-a-dia oferecia tipos os mais esquisitos possíveis. Até aí nada de maisl para quem havia estudado de menos e bebido de mais – um dos seus textos mais famosos chama-se “Duas Garrafas de Rum”. No entanto, a grande estrepolia de William Faulkner ocorreu em 11/11/1918, quando foi asinado o armistício que acabou com a Primeira Guerra Mundial. Como cadete da Escola de Aeronáutica Militar da Real Força Aérea Britânica, em Toronto, no Canadá, ele se ofereceu aos ingleses como voluntário, antes do Tio Sam pegar em armas.
 Faulkner jamais pintou na guerra e muito menos disparou um tiro, sequer. Além do mais, foi dispensado, por excesso de contingente. Mas aquilo não foi problema para ele fazer a sua guerra particular, mitômana. Encomendou um uniforme de tenente, comprou uma bengala e voltou para casa, em Oxford, no Mississipi (USA), mancando de uma perna. “Conseqüência da queda de avião, abatido sobre uma aldeia francesa”, contava aos amigos. Custo da molecagem: ao ganhar Nobel de Literatura, seus editores tiveram de se virar para explicr ao mundo e retirar da sua biogafia aquela irresponsável “brincadeira”. Mas, brincdeira por brincadeira, em 1954, quando veio ao Brasil para uma série de congressos e palestas, o que William Fauklner mais fez foi evitar os compromissos oficiais e gastar o tempo numa tremenda maratona etílica que durou uma semana  pelos botecos paulistanos.
 Quanto a George Orrwell, este acabou de desembarcr nas livrarias da cidade com o título “Dentro da Baleia e Outros Ensaios”, em 228 páginas editadas pela Companhia das Letras. Para apresentá-lo a quem ainda não o consome, basta citar uma de suas memoráveis frases: “Bebidas alcoólicas e cigarros são coisas que um santo deve evitar, se bem que eu ache que santidade é também é algo que o homem deve evitar”. Deu pra sacar?
 Pois bem! Depois de trabalhar como policial na então Birmânia (hoje Mianmar), Orwell foi para a França, na década de 20, e lá tornou-se intelectual de esquerda, boêmio, gastador de tudo oque ganhava. Rsutlado: terminou vivendo entre os mendigos de Paris, segundo ele, o que mutios pesquisadores contestam. (Qualquer realidade com a semelhança, Faulkner nda tem a ver com isso) . Ao deixar a França, Orwell ofereceu-se (semelhança, de novo?) para lutar na guerra (civil espanhola, ao lado dos republicanos). Mas diferentemente de William, pegou no fuzil e até andou levando chumbo.         
   Orwell se dizia socialista, mas se recusva a seguir linhas partidárias. E foi criticando o autoritarismo da revolução de Lênin que ele conquistou a glória, com “ Animal Farmer”, traduzido no Brasil como “Revolução dos Bichos”, livro fartamente encontrável nas prateleiras das livarias brasilienses.  Considerando disciplina política incompatível com  integridade literária, Orwell manchou a sua biografia entregando aos serviços secretos britânicos, em 1949, amigos que ele os declarava comunistas. Seria uma emanação do pensamento que criou o “Big Brother”, ou efeito de alguma bebida nada recomendável a uma santidade? Você decide.        

MEIO –SÉCULO DE GRANDE SERTÃO

Em maio de 1956, Guimarães Rosa inaugurava um novo ciclo na  literatura brasileira

 Sujeito estranho, aquele. Não gostava de falar de sua vida para os moços que escreviam no jornal, e no entanto vivia rabiscando tudo o que o sertanejo sapecava nos seus oritimbós. Enchia dezenas de cadernetas com o palavreado daquela gente do mato. E não podia ver uma cozinheira labutando numa receita diferente, que caía em cima da fumaça do fogão de lenha. Onde já se viu um doutor das letras, homem estudado na cidade grande, se metendo pelo sertão a dentro, no lombo de uma mula, acompanhando boiada e assuntando conversa de vaqueiro! Ainda mais de Manuelão, um sujeito que só sabia laçar garrote e burro bravo, e nunca passou meia légua sequer perto de uma professora. De espantar mesmo! Só que, do encontro e o espanto do sertanejo com aquele sujeito, digamos, meio esquisito, que gostava de escrever em pé, iria resultar no maior acontecimento da literatura brasileira do Século 20.
  O sujeito em questão chamava-se João Guimarães Rosa, o rebento mais velho dos seis filhos do comerciante Floduardo e de Dona Chica Rosa, e neto de uma outra Chica, uma velha tão fuxiquenta, que terminou virando personagem de livro do neto. Pois bom! No dia seis de maio de 1956, o então garoto Joãozito, que vivia atropelando os caixeiros-viajantes que apareciam por Cordisburgo, pedindo livros e revistas emprestados, laçaria “Grande Sertão: Veredas”, hoje completando meio século como marco divisor das letras nacionais. Se, até então, o que encantava os nossos leitores era o romantismo de José de Alencar e o lirismo de Machado de Assis, principalmente, a partir daquele maio, surgia o realismo de Guimarães Rosa, salpicado de neologismos criados a partir da fala arcaica do mineirinho roceiro, com as invencionices de um autor que adorava manusear o vocabulário das 11 línguas estrangeiras que dominava.
 Errou feio Seu Floduardo, quando não via futuro nenhum no fato de Joãozito preferir assuntar mais as revistas do que lhe ajudar na venda. Pena que, passados 50 anos de vida de “Grande Sertão: Veredas”, ainda não tenhamos uma biografia do maior escritor brasileiro do século passado. Ficamos no terreno das reportagens e das muitas histórias contadas sobre suas esquisitices pelos amigos Fernando Sabino e Otto Lara Resende, mineiros como o Rosa e que, agora, se reúnem para “molecar” no Céu. Aliás, por falar nas coisas  “lá de cima”, a religião era um fato marcante e contraditório na vida de Guimarães Rosa, homem temente a Deus, mas que não se sentia impedido de promover um pacto com o diabo, no caso do personagem central de “Grande Sertão: Veredas”, o jagunço RiobaldoTartarana, que recorre ao  “”mafarro” pra ter o corpo fechado.a balas e facadas.         
Porquê não pedir proteção a Deus? Um escândalo que Dona Chica Rosa jamais imaginaria enquanto gastava as contas dos terços que rezava na matriz de Cordisburgo. Ela não tinha notícia e não ensinara a nenhum dos filhos que um jagunço podia se apaixonar por outro, como Riobaldo caíra de amores por Diadorim, na verdade uma vaqueira andrógina. Onde Joãozito aprendera aquelas sem-vergonhices? Dona Chica lhe daria umas boas palmadas pra não ficar escrevendo o que não presta por aí. Calma, Dona Chica! O garoto que a senhora ensinou a rezar não entrava só na igrejinha cristã de Cordisburgo, não. Escrevia também iluminado pelo que admirava no zen-budismo, no taoísmo, no judaísmo, no hinduísmo, e até descia ao inferno com Dante Alighieri, o “o divino comediante”.  Por isso, o Rosa levou para a literatura brasileira o grande debate  sobre a ligação do homem com o “azarape”.       
  O aniversariante “Grande Sertão: Veredas” representa para a litratura brasileira o que “Ulisses”, a obra prima do irlandês James Joyce, marca na literatura mundial e eleito o livro número 1 do século passado. São parentes em recursos de linguagem. Antes do Rosa, o homem do sertão, dificilmente, botava vocubulário nas páginas. Quem saberia o que seria  “nonada ou gimaria?” (não é nada e Virgem Maria). Grande Rosa. Dizia que, quando precisava saber das coisas, não indagava nada na cidade. Achava melhor se ilustrar com o homem do sertão, um filósofo por natureza, que nunca ouvira falar de Sócrates e nem da Grécia, mas tinha a certeza de que pouca coisa sabia, e desconfiava de muitas outras.
ROSA, O HOMEM – Guimarães Rosa nasceu em 27 de julho de 1908, em Cordisburgo-MG. Com 16 anos de idade, entra para a Faculdade de Medicina de Minas Gerais, mas descobre a sua grande vocação em 1929, escrevendo contos para a revista “O Cruzeiro”. Um ano depois, casa-se com Lígia Cabral Pena e se torna pai de Vilma e Agnes. Em 1932, se torna amigo de Juscelino Kubitcheck, quando serviam às tropas mineiras como médicos durante a Revolução Constitucionalista  Encerrada a crise política conta o presidente Getúlio Vargas, Rosa presta concurso e entra para o Ministério das Relações Exteriores, em 1934.
 Em 1936, Guimarães Rosa receberia o seu primeiro prêmio literário, lhe concedido pela Academia Brasileira de Letras, para os seus poemas reunidos sob o título de “Magma”. No ano seguinte, reúne vários contos e os transforma no livro “Sagarana”, que só seria lançado nove anos depois. Em 1938, era cônsul-adjunto do Brasil na alemã Hamburgo e se casa pela segunda vez, com Aracy Moebius.
Com a eclosão da II Guerra Mundial, em 1942, Guimarães passa quatro meses preso na Alemanha. Quando é libertado, vai servir na embaixada brasileira em Bogotá, na Colômbia. Em 1947, desbrava o pantanal mato-grossense e escreve o livro-reportagem “Com o Vaqueiro Mariano”.
 Em 1951, Rosa deixa os serviços diplomáticos no exterior e retorna ao Brasil. Em 52, viaja 240 km acompanhando vaqueiros que conduziam boiadas pelo sertão mineiro. É quando levanta o material para produzir “Grande Sertão: Veredas”. Mas, antes de lançá-lo, em janeiro de 1956, publica “Corpo de Baile”. Em 61, ganha o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, onde tenta entrar, em 57, mas é derrotado por Afonso Arinos. Só consegue este intento, em 8 de agosto de 62. No entanto, atrasa a posse por cinco anos, por achar que o fardão marcaria o fim de sua vida. E acerta na previsão, em 16 de novembro de 1967, três dias depois de se tornar um imortal.       

O ÚLTIMO SERESTEIRO

Ele viu Bossa Nova e Jovem Guarda. Há mais de 50 anos não abandona os boêmios

A partir de 1959, a turma só queria cantar baixinho, sentada num banquinho e acompanhada por uma batida diferente de violão. Foi quando Elizeth Cardoso convidou o amigo Josemir Barbosa a experimentar a nova moda. "Nasci seresteiro e vou continuar sendo", respondeu ele, após ouvir "Canção de amor nenhum", que "A Divina" havia gravado, acompanhada por acordes desconhecidos e criados pelo baiano João Gilberto. Era a Bossa Nova pintando.
Em 1965, na esteira da beatlemania, era a vez da Jovem Guarda chegar, como um furacão, engolindo os bossa-novistas e mandando tudo pro inferno. O mercado ficara mais restrito ainda para os cantores de bolerões, sambas-canção e serestas, colocando no ostsracismo carreiras como as de Carlos José, Francisco Petrônio, Altemar Dutra e até mesmo Nelson Gonçalves. No auge do iê-iê-iê,  quando João Gilbverto chamou a Bosa Nova de "jazz retardado",  até Sílvio Caldas achava que era hora de Josemir dar um tempo nas modinhas e se modernizar. Ante a resistência do colega, Sílvio avisou: "Você é o último seresteiro!"
Sorte do pernambucano Josemir Barbosa, a de nunca ter abandonado o gênero musical que começara a cantar quando era um rapaz namorador e tentava ganhar o coração das mocinhas casadoiras da pernambucana Garanhuns, em apaixonantes serenatas. Josemar tornou-se, simplesmente, o último seresteiro da vida do ex-presidente Juscelin Kubitscheck.
 O cantor não se lembra se foi logo após JK ter passado a faixa presidencial a Jânio Quadros, ou se já era 1962. Só se recorda do espanto que levou, quando se exibia no Man´s Clube, em Copacabana, no Rio, e foi surpreendido pela chagada do homem que construíra Brasília, acompanhado pela amiga Carmem Mena Barreto e mais dois amigos (não se lembra mais dos nomes desses). "Ele (JK) sentou-se de frente para o palco e ouviu-me, com muita atenção. Deve ter-se demorado por mais de uma hora. Antes de ir embora, cumprimentou-me e disse que eu cantava muito mais do que os seus amigos lhe falavam. E prometeu voltar", destrincha.
E voltou,  várias vezes para escutar as serestas de Josemir Barbosa.Até o surpreendeu, numa noite, pedindo: "Quero que você cante  a minha música favorita". Antes de JK completar a frase, Josemir disse o tradicional "deixa comigo" e apressou-se em voltar ao palco. Mandou ver no "Peixe Vivo". Para a sua surpresa, quando o ex-presidente ia embora e despediu-se dele, sussurrou-lhe: "Todo mundo acha, mas o Peixe Vivo não é a minha música predileta. É "Duas Contas", de Garoto.
Como não tinha a letra e o arranjo daquela música, naquele momento, Josemir prometeu ao homem cantá-la da próxima vez pintasse na casa, o que o fez, após três cobranças do ilustre ouvinte. "Tive vontade de convidá-lo para cantar junto comigo, mas, não sei porque, me deu um bloqueio, e não o fiz", conta o seresteiro.
A última vez que Josemir Barbosa esteve com JK não foi cantando serestas. Ele estava na esquina da Rua Francisco Sá com a Avenida Atlântica, em em Copacabana, quando ouvi uma voz me gritar. "Meu cantor!" Era o JK, que o avistara. "Nos falamos pouco, foi muito rápido. Logo depois, ele foi para o exílio. Não o vi mais", relata o artista, que já cantou, também, para dois outros presidentes, Fernando Henrique e Lula.
Começo no ré menor
As serestas entraram na vida de Josemir Barbosa quando ele tinha 13 anos de idade e sua mãe ensinou-lhe adedilhar o ré menor ao vilão. Dali "foi embora" e, quando Garanhuns ficou pequena para a sua voz, integtou um trio ? Os Cancioneiros ? que ficou famoso pelas ondas da Rádio Jornal do Comércio, de Recife. Quis o destino que Ari Barroso ouvisse o seu grupo, numa de suas passagens pela capital pernambucana, na década-50, e achasse a sua vocalização um meio-termo entre a sonorização dos trios Irakitan e Nagô, que faziam sucesso nacional. E o Rio de Janeiro foi a próxima parada de Josemir, levado pelo empresário Piagino Chiefe, proprietário da fábrica de fogos Caramuru.
Foi num encontro com a amiga pernambucana Ivone Valdez, (vedete de teatro rebolado, do produtor Carlos Machado), que Josemir Barbosa entrou no mercado carioca. Apresentado ao empresário Alfredo Sá, o Alfredão (espécie de rei das noites cariocas na década-50 e inícios da 60), ele foi se apresentar nos nights clubs da zona sul do Rio. Em frente a um deles, ficava o Top Club. E, mais uma vez, o destino bateu-lhe à porta. "Num fim de noite, o Ataulfo Alves apareceu na minha seresta e achou diferente aquele meu jeito de cantar, com sotaque nordestino. Do papo, surgiu uma grande amizade", orgulha-se Josemir.
Embalado pela amizada com Ataúlfo, Josemir ficou amigo também de e passou a cantar junto com Orlando Silva, Elizeth Cardoso, Helena de Lima, Agostinho dos Santos, Dick Farney, Lúcio Alves, Nélson Gonçalves, Tito Madi,  Lupcínio Rodrigues,  toda aquela turma que acontecia nas noites do Rio . "Cheguei a cantar no Beco das Garrafas, o reduto da Bossa Nova, mas como eu insistia nas serestas, não deu certo. Daquele pedaço, quando nada, ficou uma boa amizade com Vinicius de Moraes, Sérgio Bittencourt e Waleska", cita.
Surpresa no Pub
Vinicius de Moraes pintava sempre no Pub, (bar do Leme), com a turma da Bossa Nova. Certa vez, depois de vários "cachorros engarrafados", como ele chamava o wiskie, até prometeu aparecer, numa noite, com JK. Para homenagear o amigo, Josemir Barbosa cantou o "Soneto da Infidelidade", uma letra do "Poetinha", que jamais pedira a alguém para musicá-la. Quando terminou, Vinicius levantou-se da mesa, com o copo nas mãos, e foi até ele, sorrindo, "trêbado". A letra havia sido musicada pelo Cabipa (compositor pernambucano) e o Vinícus nem sabia", relembra, sorrindo e responsabializando-se pelos mais ou quatro ou cinco "cachorros" que o poeta colocara no pescoço (por dentro, é claro), depois.
Mas foi com Sílvio Caldas que Josemir Barbosa teve um entrevero legal, por causa de Noel Rosa, quando ele era o único seresteiro do País com shows diários (no Scotch Bar). "Amigos meus, como Luis Antônio, Haroldo Barbosa, Luís Reis, Jamelão, Luís Vieira, Elizeth Cardoso, Tito Madi e Sílvio Caldas, apareciam sempre pra me dar uma força, pois a Jovem Guarda estava chegando e gente como Orlando Silva, por exemplo, só fazia shows de 15 em dias 15. Tava bravo.  Numa daquelas noitadas de baixo astral, cantei uma música do Noel Rosa, e o Sílvio Caldas ficou uma fera. Disse que eu estava inventando, que o Noel não tinha feito aquilo e que eu deveria respeitá-lo e cantar como ele compusera", historia Josemir.
O barraco dos seresteiros pipocou porque Sílvio Caldas não conhecia a letra original da composição, garimpada por Josemir em um sebo carioca, num livro e escrita à mão. Moral da história: "A paz foi selada com um garrafão de aguardente, curtida no milho", presente de Sílivio a Josemir.
Josemir Barbosa sorri muito quando se lembra das aprontações de Lupcinio Rodrigues. "Ele fazia aquelas suas letras falando de desgraça, e nem estava aí pro mundo. Bebia todas e tudo bem. Me arrastava, lá pelas cinco da manhã, para ajudará-lo a curar seus porres, tomando caldo de cabeça de peixe, com pirão e batata cozida, na Barata Ribeiro. Pra me livrar dele, eu fugia. No dia seguinte, ele me esculhambava. Me chamava de fujão e de falso boêmio. Mas tudo terminava nas cordas do violão, e a amizade prosseguia", conta.
 Brigas
Quando a gravadora Phillips instalou-se no Brasil, queria fazer de Josemir Barboss um clone vocal de Nélson Gonçalves, aproveitando a semelhan ça de seus timbres vocais. Ele não topou. Era muito amigo do ídolo nacional e respondeu que só poderia haver um Nelson Gonçalves.
Naquele mesmo dia, Josemir foi à casa de Evaldo Gouveia, apanhar uma música para renovar seu repertório no Scotch Bar. Só que o compositor esqueceu-se de avisar-lhe que a composição reservada (em parceiria com Jair Amorim)  já a havia passado a Altemar Dutra, que iria incluí-la no seu novo LP  (antigos  bolachões de vinil). Josemir lançou "Brigas" e Altemar a estourou com ela nas paradas de sucesso. "Que confusão que o Evaldo me arrumou. Teve gente me acusando de vender a música", relembra.

No Planalto
Josemir Barbosa está em Brasília desde 1986. Veio para cantar e passar só dois dias. Não saiu mais. Era, também, protético, e recebeu uma boa proposta para conciliar as duas coisas por aqui. Hoje, ele canta no Bristol Hotel, às terças e sextas-feiras, a partir das 19h. Para se apresentar em festas particulares, cobra R$ 400 por apresentação. E tem a agenda sempre lotada.
Por aqui, Josemir já viveu uma história incrível. Ao fazer um intervalo, quando cantava no Restaurante Albatroz, no Aeroporto JK, um sujeito chegou, apanhou o seu violão e o espatifou contra uma cadeira. "Era um pinho autografado por Sivuca, Pelé, Fernando Henrique Cardoso, Elizeth, muitos que se diziam ter gostado da minha voz", explica.
 Resumo da seresta: Josemir e o agressor foram parar em uma delegacia. Chegando lá, ao perceber que o cara era um débil mental, ele passou a defendê-lo. Só que o delgado queria cumprir a lei e punir o infrator com o pagamento de uma indenização. Josemir a fixou em cinco reais, liberou o maluco e ainda foi entregá-lo à família.  E fez toda a rota cantando para o doido.... pela sua voz ? também.

Duas Contas
(Garoto)
Teus olhos
São duas contas pequeninas
Qual duas pedras preciosas
Que brilham mais que o luar
São eles
Guias do meu caminho escuro
Cheio de desilusão e dor
Quisera que eles soubessem
O que representam pra mim
Fazendo que eu prossiga feliz
Ah, o amor
A luz dos teus olhos
      
                    

GUTENBERG, O PAI NOSSO DE CADA EDIÇÃO

 Há 540 anos, Johann Gutenberg, o inventor da imprensa, trocava esta vida pelo direito de virar lenda

Antes do século XV, não havia a impressão que produzisse textos com este que você está lendo.  O que se lia era escrito a mão, por bicos de penas, em pergaminhos feitos de pele de animais. Quem quisesse ter uma cópia de um livro teria que contratar um copista, normalmente, um monge, e esperar muito tempo, pois era um trabalho árduo e demorado.  
 Seis séculos antes de os europeus usarem a prensa para produzir textos e gravuras, a partir de blocos de madeira gravados, os chineses já faziam isso, mas como havia pouca comunicação entre eles e o resto do mundo, e o seu alfabeto era diferente do ocidental, a impressão não progrediu. No entanto, uma outra invenção deles, o papel, surgido por volta de 105 DC, conquistou os europeus, no século XI, a  época do Renascimento,  quando só não substituiu o pergaminho em documentos oficiais.
 Faltava, então, só o alemão Johann Gutenberg pintar nesse mercado e traçar o riscado, para, no futuro, você, passar na banca e comprar o Jornal de Brasília, se não quiser consultá-lo, pela Internet, nesses tempos de modernidade. Pois é!  Em 2008, lá se vão 540 anos que o “pai da imprensa”  saiu desta vida, para entrar na história, e nenhum dos seus “filhos” se lembrou – só nós, o JBr.
DISPUTA
Alguns pesquisadores imputam ao holandês  Laurens Coster, em 1423, ao italiano Pampilo Castadi, e ao tcheco Procopius Waldfoghel, que vivia na Fança, terem usado o tipo móvel antes de Gutenberg. Mas todos concordam que foi o alemão quem primeiro imprmiu um livro, pelo sistema, abrindo caminho para  a difusão da impressão, a aprtir da tecnologia que usava em sua  terra, a alemã Mainz, no início da década de 1450.
 A vida de Gutenberg é repleta de mistérios. Pra começar, não se sabe, ao certo, quando ele nasceu. Historiadores calculam ter vvido entre 1398 e 1468. O que se tem muita certeza é de que ele tinha um caráter terrível, ao ponto de ter passado a maior parte doseu tempo enrolado com a Justiça, respondendo a processos movidos por credores, e até por sapateiros e mulheres enganadas. E o pior: enquanto a sua invenção valeu a fortuna de muitos tipógrafos, ele passou a vida inteira “durango kid”.
 Tudo leva os pesquisadores a acreditarem que Gutembrg tenha  começado a chegar até a invençãoda imprensa a partir de quando  foi trabalhar, como aprediz, para o arcebispo de Maiz, uma das capitais do Sacro Império Romano. Como o religioso fabricava moedas para o seu Estado, ele aprendeu tudo sobre metais preciosos, fundição, cunhagem, temperaturas, uso de câmaras de fudição, matrizes e prensas, e ficou “com a cabeça a mil”.
 As pesquisas seguintes sobre o “complicado alemão” indicam que, ao perder  o pai, Friele Gutenbrgam, em 1428, o rapaz tenha se mudado, de Mainz, para a francesa Estraburgo, onde teria passado 20 anos, sobrevivendo como artesão ou comerciante de fachada, pois há registros de que, em 1439, pagara impostos sobre 2 mil litros de vinho. Na verdade, usava a adega para fazer pesquisas sobre a impressão, pois o comércio de bebida era muito comum nas cidades banhadas pelo Rio Reno e os “bebuns” não desconfiavam de nada. Na “moita”, ele pesquisava, sem chamar a atenção.
 Documentos de 1438 mostram que Gutenberg, avançado em suas pesquisas, montou um negócio, junto com três caras de Estraburgo, dos quais “mordeu” uma boa grana, emprestada, para passar-lhes a sua tencologia. A socidade terminou na justiça, um ano depois, e foi a primeira fez que o nome do alemão apareceu ligado à impressão. Especula-se que ele tivesse aperfeiçoado o tipo móvel e começado a imprimir por aquele tempo. No entanto, o exemplo mais antigo de impressão com tipo móvel foi de 1442, um recorte de jornal, com 11 linhas, de cada lado.
 Como todo “bom pecador”, Gutenbeg “mordeu” outros endinheirados, em EstraBurgo e Meinz, para onde voltou, provavelmente, em 1448, e nunca pagou a nenhum deles. Como dava trabalho à “Dona Justa”. Em 1452, quando aperfeiçoou a fundiçao do tipo  móvel, ele imprimiu a sua primeira Bíblia, evidentemente, com dinheiro emprestado e não pago –  que  Deus o tenha perdoado.

       

O REI DOCANGAÇO ERA UM CAPITÃO

Há 70 anos, a "volante" do João Bezerra – como eram chamadas as patrulhas da polícia nordestina – matava e degolava o mais temido bandoleiro do sertão, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
 Figura cuja discussãso não se esgota, Lampião, reconhecidament, foi bandido, o inimigo público número 1 do governo Getúlio Vargas. No entanto, de um momento para o outro,  foi tornado legalista, considerado o único homem capaz de capturar o “bandido da hora”, o ex-tenente Luis Carlos Prestes, que desafiava o poder do gaúcho presidente da República.
 Entre os que viram em Lampião um oprimido, e não um bandido, estava o líder das Ligas Camponesas, Francisco Julião (1915-1999), para quem, Virgulino foi o primeiro nordestino a enxergar a opressão das elites e a responder contra as arbitrariedades. Analisando-se, friamente, e transportando-se no tempo o pensamento do “rei do cangaço”, o que ele fazia, nas décadas de 20 e 30, em relação ao latifúndio, era semelhante ao que pensa, hoje, o Movimento dos Sem-Terra (MST).
Isso foi o que, também, entendeu, quando ainda não havia o MST, o maior dos cineastas brasileiros, Glauber Rocha, ao levar para as telas a luta armada, a revolta popular contra a opressão, nos filmes “Deus e o diabo na terra do sol” e “O dragãoda maldade contra o santo guerreiro”. Um trabalho, publicado em 2007, pela pesquisadora francesa  ÉliseJasmin, também encontra Lampião como emblema da luta contra a insjustiça, embora vendo a ambivalência da sua emblemática figura se perdendo nos meandros das releituras política e cultural do Nordeste.
 Lampião foi um bandido que pilhava e matava, mas, nunca, um revolucionário, embora tivesse ganho (de boca), na décadas de 20, a patente de capitão (jamais recebida), para combater a Coluna Prestes, liderada pelo comunista Luís Carlos Prestes (1898-1996).  Ele nem sabia o que era isso. Comunismo, capitalismo, socialismo eram palavras que passavam longe do bico de sua peixeira. “Bandidava”, inicilamente, apenas por sede de vingança, afinal assistira ao assistira ao assassinato do pai, pelo vizinho, Zé Saturnino, o qual jamais conseaguira matar.
 Como tempo, firmado como líder bandoleiro, Lampião acumulou a notoriedade que lhe rendia o respeito de parte a elite fundiária que o protegia, e até pensou em aposentar-se, como fazendeiro.  Enxugada a história,  radicalmewnte, não seria errado dizer-se que a etnrada de Lampião para o cangaço pode ser colocada na conta do Estado, pois a ausência deste no sertão era que permitia a legitimação do banditismo. E Vrigulino não fizera nada de extraquotidiano. Diante das injustiças, não restava ao sertanejo nordestino nada além da violência. Sempre, excluía-se da sociedade, voluntariamente, para vignar uma afronta, reparar uma injustiça, reconquistar a honra. Para um dos maiores pesquisadores sobre o cangaço, Frederico Pernambucano de Mello, o que Lampião fizera, meramente, fora “usar a vingança como um álibi para a reparação de ofensas pelas armas”, daí ter a sua justificativa para impor o horror no sertão.  
 Nascido em 1898, Lampião inovou o cangaço, estabelencendo a hierarquia, criando códigos de honra, rituais de iniciação, a ostentação e permitindo às mulheres se juntar ao seu bando, a partir de 1935. Num tempo em que não havia marketing, ele percebeu que o melhor meio de desafiar  governos era valorizando sua figura, e não não teve cerimônias de a fotografia e o cinema. Por onde passava, jogava moedas para o povo, dava autógrafos, distribuía fotos e, as vezes, até mandava enviá-las para os jornais, como registrou, em 1935, O Diário de Pernambuco.
Lampião descobriu a força da mídia bem antes, em 1926, quando entrou em Juazeiro do Norte-CE, como legalista, no combate à Coluna Prestes. Recepcionado por mais de quatro mil pessoas, dos mais diferentes sertõe, concedeu entrevistas, foi fotografado pelos jornais cearenses e já montou no seu cavalo vendo de onde partia a fonte do poder. Depois, no entanto, só interagia com a imprens por meio de intermediários.
Como se preopcupava sobre o que se publicava sobre ele, e não tinha como controlar os jornais, Lampião  transofmrou o “cineasta” e fotógrafo amador Benjaminm Abrahão em seu marqueteiro oficial. Porém, inferia na “direção artística” do que seria divulgado sobre ele. Nesse processo marketeiro, Maria Bonita, sua mulher, até foi garota-propaganda da Bayer, divulgando a cafiaspirina. Coube porém, a ex-bordaeira Dadá, companheira de Corisco, outro lendário cangaceiro, criar o imaginário popular do cangaceiro, divulgado a partir de 1935, pelo cineastas Lima Barreto, no filme “O Cangaceiro”. Foi Dadá, e não Lampião, quem  inventou os motivos bordados em couro branco sobre o chapéu, as flores, também bordadas, em tecidos coloridos sobre as bolsas, os peitorais e os cinturões largos.
Todas essa história, inciada em 1922, acabou em 28 de julho de 1938, quando Lampião foi cercado e crivado de balas pela volante que percorra Angicos, no Rio Grande do Norte              


  

CACHAÇA APAGA 475 VELINHAS

Bebida genuinamente brasileira passou 124 anos proibida pelos portugueses

 Carnaval e cachaça formam (ou acabaram de formar) uma dupla infernal. E, agora, quando o Rei Momo já foi pra casa, e só volta dentro de um ano, é a hora de a rapaziada ameaçar secar o pescoço, por dentro, por um bom tempo. Se bem que, a maioria, fica só na ameaça. Ameaça? Sim. Por sinal, está é um vocábulo indissociável da história da “danada”. Isso mesmo!
A cachaça viveu 124 anos – de 1635 a 1759 – com seus “vassalos” ameaçados de cadeia, pelos colonizadores portugueses que mandavam por aqui. E eles eram cruéis com quem a produzisse e a comercializasse. Consumir, nem pensar. Ainda bem que a “branquinha” está reabilitada. E assoprando mais uma velinha. Neste ano, a cachaça completa 475 anos que foi produzida, pela primeira vez, no Brasil.
 De início, a “marvada” era a companheira de negros e  mestiços e, por tabela, dos índios. Se bem que os portugueses também davam seus tapinhas na “bichinha”. E, como nestas terra brasilis, toda lei fora feita para – diziam os antigos –, dificilmente, ser respeitada, de tanto ser contrabandeada, durante o tempo em que foi proibida,  a cachaça terminou descendo pela goela abaixo de outros povos, para sorte do mercado exportador  brasileiro.
 Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Interior, a cachaça emprega 900 mil brasileiros e arrecada, anualmente, US$ 600 milhões de dólares, decorrentes de 1 bilhão e 300 milhões de litros produzidos a partir de 125 mil hectares plantados com a cana-de-açúcar. Desse montante, 300 milhões de litros de “pinga” são produção artesanal, a cargo de 25 mil alambiques que não desprezam as técnicas seculares. O restante da produção provém de 5 mil empresas que usam o processo industrial moderno. Mas o governo acha tais números mixurucas, tendo em vista que, apenas, 12 milhões de litros são exportados, representando só 1% do produzido.
 CARTEIRA DE IDENTIDADE - A cachaça nasceu na paulista São Vicente, em 1533, isto é, pouco depois de Pero Vaz de Caminha escrever ao Rei Dom Manuel, avisando-o de que, por aqui, em se plantando, tudo dava. Como a turma levou a sério o que o escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral propagou para Portugal, plantou-se a cana, produziu-se o açúcar, o melado, a rapadura e o melaço, até destilar-se o mosto fermentado. Foi, então, que nasceu o vinho de mel da cana-de-açúcar. Depois, ela, a  “caninha”, que já tem seis mil marcas registradas na praça.
  Os apontamentos governamentais elegem São Paulo como o grande produtor de cachaça industrializada do País.  Minas Gerais responde pela maior quantidade da produção artesanal. No entanto, tem-se Paraty, no Rio de Janeiro, como a fabricante do que de melhor se faz no setor. Por sinal, quando os primeiros alambiques começaram a produzir o que se chamava de aguardente da terra, vinho da terra, a “jeribita” já foi chamada de “paraty”, em homenagem à terra produtora
 O pesquisador Marcelo Câmara, autor dos livros “Cachaças – Bebendo e
Aprendendo –  Guia Prático de Degustação” e “Cachaça – Prazer Brasileiro”, diz que não se pode confundir a cachaça que sai do alambique, branquinha, com o cheiro da cana e graduação alcoólica entre 38 e 48 graus,  com a cachaça envelhecida. “Esta é uma outra bebida”, avisa.  Câmara admite que a cachaça de alambique possa ser guardada em madeira “quase-neutra”, mas adverte que a cachaça envelhecida sofre alteração nas suas características sensoriais, “devido a ação da madeira que temperou sua cor, aroma e sabor”.
VICE-LÍDER - Se você não sabia, fique sabendo que você bebe 11 litros de cachaça, por ano. Quer dizer: se não bebe, alguém bebe pra você. Este é o número médio, atribuído pela economia nacional, na relação consumo-produção brasileira. Pela parte que lhe toca, os “gringos” que nos visitam entram com a sua cota de admiráveis consumidores de caipirinhas, caipiroscas e outras “oscas”, dentro do total de 900 milhões de litros consumidos “da lapada que derrubou o guarda”.
 Principal destilado consumido pelos brasileiros, a cachaça, “mulher faceira”, só perde seus amantes para uma concorrente, a “loira estupidamente gelada”,  paquerada, carinhosamente, como “cervejinha”. Afinal, vivemos em um país tropical, dá-se um desconto para a ”filha do alam (bique)l”. Para os experts, nenhuma outra bebida destilada no planeta possui  a sua exuberância sensorial – estamos vingados.       
CERTIDÃO DE BATISMO - De acordo com o pesquisador Câmara Cascudo, a palavra cachaça vem  do castelhano cachaza, referente ao vinho da borra do mel. Caldas Aulette não tem tanta certeza, e fica entre o castelhano e o africano. De sua parte, outro pesquisador, Silveira Bueno, lembra que, no Brasil colônia, a porca era chamada de cachaça  e o porco de cachaço. Como era costume  colocar aguardente na carne do animal, para amolecê-la,  segundo ele, cachaça (porca)  e aguardente passaram a ter o mesmo significado.  Câmara Cascudo, por sinal, concebe a cachaça como aguardente de mel de cana, ou de borra de mel, destilada.       
 Como não se anotou o dia em que o primeiro gole de cachaça pingou de um alambique no Brasil, sabe-se que a fabricação da “água que passarinho não bebe” proliferou quando os colonizadores portugueses montaram por aqui os seus primeiros engenhos açucareiros, a partir de 1540.  Por volta de 1651, a produção de cachaça cresceu bastante e a “canjibrina” passou a ser exportada para Portugal, que se encarregava de repassá-la para toda a Europa.
 A cachaça passou a ser tão importante na economia imperial brasileira, que, em 1817, quando Pernambuco resolveu encarar Dom João VI e se separar do Brasil, a “birita” foi um dos alvos dos boicotes dos revolucionários. Inclusive, um dos revoltosos, o padre João Ribeiro, erguia brindes com a “espevitada”, no lugar do vinho do Porto. Bem mais tarde, já em 1932, quando da Revolução Constitucionalista, aberta pelos paulistas, estes espalhavam que os legalistas bebiam cachaça com pólvora para combatê-los. 
 Tornada sinônimo de mimos e prazeres, a cachaça entrou na alma brasileira, para nunca mais sair. Tem até um “causo” folclórico do padre sertanejo, que, ao fazer um sermão criticando os cachaceiros da cidade, mostrou aos fiéis um crucifixo com a imagem de Jesus Cristo, dizendo:  “Este aqui é a minha cachaça”
CACHAÇOLOGIA - Bate-bate: cachaça com maracujá e mel de abelha
Batida paulista: cachaça com liomão, água e açúcar
Cachimbo: cachaça com mel de abelha
Compadre Sam: cachaça com Coca-Cola gelada
Canelinha: cachaça com gengibre, açúcar e canela em pó
Leite-de-onça: cachaça com leite condensado
Mãe-de-família: cachaça com vinagre e caldo de feijão
Perua: cachaça com caldo de cana
Rabo-de-galo:  cachaça com Cinzano
Requentão: cachaça com café reequentado
Rosa-sol: cachaça com cravo, calda grossa de açúcar, erva-doce e canela em pau
Xinape: cachaça com café

              


UM SÉCULO DE XILO-CORDEL NA CULTURA BRASILEIRA

Maior colecionador do mundo comemora 30 anos de pesquisas com  livro

Maior especialista brasileiro sobre a literatura de cordel e maior colecionador do mundo de xilogravuras, com um acervo que já vai pelos dez mil itens, Jeová Franklin resolveu botar as suas pesquisas no papel. Ontem, ele lançou, na Casa da Memória da Cultura Brasileira, em Sobradinho II, o livro “Xilogravura Popular na Literatura de Cordel”, após 30 anos de garimpagem. É a sua homenagem aos 100 anos desse casamento, ocorrido em 2007, mas só celebrado agora, porque não conseguiu finalizar os trabalhos antes.
 Professor aposentado, da Universidade Federal do Ceará, Jeová Franklin começou remexer nesse riscado a partir de uma encomenda do antigo Ministério do Interior. O trabalho foi tão elogiado que, três anos depois, ele foi requisitado pelo extinto Banco do Nordeste para participar da maior antologia já feita no País sobre o binômio xilo-cordel.  De lá para cá, não deixou nada sobre o tema sossegado, ao ponto de transformar sua casa em um autêntico centro de estudos, museu, enfim, o que se possa definir, pois só sobra espaço vago nos pratos, panelas e gavetas da cozinha de Dona Marinalva, sua esposa.
 Jeová Franklin já foi consultor de teses de mestrado e  perdeu a conta das conferências proferidas para estudantes universitários. Mas ressalta que o cordel, até chegara isso, precisou vencer muito preconceito. “Era tido como um gênero marginal, porque os poetas, quase sempre, eram pouco letrados e gostavam de destrinchar os fuxicos da vida alheia”, explica.
  Enquanto pesquisava, Jeová ouviu muitas queixas de velhos cordelistas, de que a polícia botou-os muito pra correr das feiras nordestinas. “Os poetas chegavam com suas maletas, começavam a recitar versos, falando das diabruras dos cangaceiros, da moça que meteu um chifre no noivo, do coronel de engenho filho daquela senhora, e, quando menos esperavam, os meganhas, os cabras do coró e dos pais das moças chifradeiras já estavam com a peixeira no seu cangote”, sorri o pesquisador, do que ouvia. 
 Já o casamento do cordel com a xilo, Jeová Franklin viu a certidão datada de setembro de 1907, quando o paraibano Francisco das Chagas Batista contou as estrepolias do cangaceiro Antônio Salvino,  precussor de Lampião. “Na capa, aparecia um sujeito usando um chapéu de couro, portando um bacamarte e carregando uma espada na cintura”. Como o autor é desconhecido,  pelas características da figura, Jeová intuiu que se trata de obra de altista europeu. É a tal figura que ilustra a capa do seu livro e, na qual, ele não vê o grau de sofisticação da xilo popular brasileira. “Até 1925, usou-se o modelo europeu”, historia.
 A xilogravura dos cordéis, afirma Jeová Franklin, atingiu a forma consagrada quando e a impressão foi desaparecendo com os traços, até deixar só uma silhueta. “O poeta paraibano Chagas Batista pediu a um xilogravador (nunca descoberto) para fazer uma arte em preto e branco, com traços rústicos” conta, acrescentando que contribuiu também para isso a dificuldade de se encontrar, no Nordeste, o clichê metálico usado nos cartões postais e nos cartazes de filmes cinematográficos. “Os cordelistas aproveitavam o material já dispensado pelos serviços gráficos, que tinham um custo de produção muito caro”, dá uma idéia.
É nesse ponto aí que entra uma ajuda involuntária do Padre Cícero Romão Batista, revela o pesquisador, sobre a consolidação do casamento xilo-cordel. “Em 1949, José Bernardo da Silva comprou uma gráfica e, como não havia clicheria em Juazeiro do Norte-CE, apelou para os xilogravuristas que trabalhavam a figura do vigário. Com o custo abaixou muito, nas décadas-50 e 60 o sistema se espalhou e ficou mais rápido, pois as gráficas levam mais de 15 dias para aprontar um clichê.  Em 1970, na Copa do Mundo, por exemplo, o cordelista José Soares adiantou tudo e, quando a seleção brasileira levantava a taça do mundo, ele já estava vendendo os seus versos campeões pelas ruas do Recife”, lembra.
Todas as pesquisa levam o professor Jeová Franklin a crer que a xilogravura surgiu, há milhares de anos, na China, chegando ao Brasil via jesuítas que a usavam para produzir imagens sacras e propagar a fé católica. “Também usou-se a xilo para confeccionar baralhos”, cita Franklin, acrescentando um detalhe: “Na década 50, o xilogravurista Dila chegou a colorir as capas dos cordéis, com o preto, o vermelho e o amarelo, segundo tendênciaa das policromias do Sul do País. Mas não pegou.        
Jeová Franklin aponta 1965 como o ano que consagrou a a xilogravura no País. “Foi quando o arquiteto Sérvulo Esmeraldo, que vivia em Paris, encomendou, ao Mestre Noza,  de Juazeir do Norte e inventor da xilodecoração, uma xilo maior do que as que as dos cordéis. Sua arte ilustrou um livro que teve circulação nacional e chamou a atenção dos políticos, jornalistas, e pesquisadores. “A partir dali, a xilo começou a ser valorizada”, situa.
 As pesquisas de Jeová Franklin lhe mostraram que escritores como Ariano Suassuna, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e o pintor erudito Samigo receberam muitas influências dos cordéis. “Por isso valorizaram a xilogravura, como também alguns cineastas, casos de Glauber Rocha – em “Deus e o Diabo na Terra do Sol – e Nélson Pereira dos Santos – em “Vidas Secas –, que  usaram uma fotografia imitando a xilo, com o preto separado do branco, sem matizes”, ensina.
Juntando poetas cordelistas e xilogravurisas,  Jeová Franklin aponta Mestre Noza,  Abrão Batista, Estênio Diniz, José Lourenço, Jota Borges, Marcelo Alves, Costa Leite, Minelvino, Enéas Tavares, Valderedo Gonçalves, Antônio Pirauá de Lima, Chagas Batista e Leonardo Gomes de Barros, que chegou ater o mesmo nível de Olavo Bilaque, como os maiores nomes do casamento xilo-cordel. Mas, desde que os franceses e portugueses difundiram o gênero cordelista, afirma, ninguém vendeu tanto quando o poeta nordestino Melquíades, com a sua saga do “Pavão Misterioso, comprada, oficialmente, por oito milhões de leitores.